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EGLOGAS

EGLOGA I

INTERLOCUTORES

UMBRANO, FRONDELIO E AONIA

Que grande variedade vão fazendo,
Frondelio amigo, as horas apressadas!
Como se vão as cousas convertendo
Em outras cousas várias e insperadas!
Hum dia a outro dia vai trazendo
Por suas mesmas horas ja ordenadas;
Mas quão conformes são na quantidade,
Tão differentes são na qualidade.

Eu vi ja deste campo as várias flores
Ás estrellas do Ceo fazendo inveja;
Adornados andar vi os pastores
De quanto por o mundo se desejà;
E vi co'o campo competir nas côres
Os trajes, de obra tanta e tão sobeja,
Que se a rica materia não faltava.
A obra de mais rica sobejava.

E vi perder seu preço ás brancas rosas,
E quasi escurecer-se o claro dia
Diante de huas mostras perigosas,
Que Venus mais que nunca engrandecia.
As pastoras, emfim, vi tão formosas,
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento falto
De não ser para ter temor tão alto.

Agora tudo está tão differente,

Que move os corações a grande espanio;
E parece que Jupiter potente

Se enfada ja d'o mundo durar tanto.
O Tejo corre turvo e descontente,
As aves deixão seu suave canto,
E o gado, inda que a herva lhe fallece,
Mais que da falta della se emmagrece.

FRONDELIO

Umbrano irmão, decreto he da natura,
Inviolavel, fixo e sempiterno,

Que a todo bem succeda desventura,
E não haja prazer que seja eterno:
Ao claro dia segue a noite escura,
Ao suave verão o duro inverno:
E se ha cousa que saiba ter firmeza,
He sómente esta lei da natureza.

Toda alegria grande e sumptuosa
A porta abrindo vem ao triste estado:
Se hum'hora vejo alegre e deleitosa,
Temendo estou do mal apparelhado.

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Não vès que mora a serpe venenosa
Entre as flores do fresco e verde prado?
Ah! não te engane algum contentamento;
Que mais instavel he que o pensamento."

E praza a Deos que o triste e duro fado
De tamanhos desastres se contente;
Que sempre hum grande mal inopinado
He mais do que o espera a incauta gente:
Que vejo este carvalho que queimado
Tão gravemente foi do raio ardente.
Não seja ora prodigio que

declare

Que o barbaro cultor meus campos are.

UMBRANO

Em quanto do seguro azambujeiro
Nos pastores de Luso houver cajados,
Com o valor antiguo, que primeiro
Os fez no mundo tão assinalados,
Não temas tu, Frondelio companheiro,
Qu'em algum tempo sejão sobjugados.
Nem que a cerviz indomita obedeça
A outro jugo qualquer que se lhe off'reça.

E postoque a soberba se levante
De inimigos a torto e a direito,
Não creas tu que a força repugnante
Do fero e nunca ja vencido peito,
Que desde quem possue o monte Atlante
Adonde bebe o Hydaspe tee sujeito.
0 possa nunca ser de força alheia,
Em quanto o sol, a terra e o ceo rodeia.

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FRONDELIO

Umbrano, a temeraria segurança

Qu'em força, ou em razão não se assegura,
He falsa e vãa; que a grande confiança
Não he sempre ajudada da ventura.
Que lá junto das aras da esperança,
Némesis moderada, justa e dura,
Hum freio lhe está pondo e lei terribil,
Que os limites não passe do possibil.

E se attentares bem os grandes danos
Que se nos vão mostrando cada dia,
Porás freio tambem a esses enganos
Que te está figurando a ousadia.
Tu não vês como os lobos Tingitanos,
Apartados de toda cobardia,
Mátão os cães do gado guardadores,
E não sómente os cães, mas os pastores?

Pois o grande curral, seguro e forte,
Do alto monte Atlas não ouviste
Que com sanguinolenta e fera morte
Despovoado foi por caso triste?

Oh triste caso! oh desastrada sorte,
Contra quem força humana não resiste!
Que alli tambem da vida foi privado
O meu Tionio, ainda em flôr cortado!

UMBRANO

Em lagrimas me banha rosto e peito
Desse caso terrivel a memoria..

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