Imagens da página
PDF
ePub

Por onde quiz por obra começar Aquella crua peleja receando, Concertos que a soem desviar.

A presteza da cousa está mostrando
A vontade que tinha e o desejo
De se ver ja na patria pelejando.
Aquella hora, momento, aquelle ensejo
Quantas vezes alli desejaria

Verem-no pelejar Nymphas do Tejo.
Que vezes por ellas chamaria,
Com que esforço seria esta lembrança,
Quantas vezes a alguma invocaria.
Com que graça e arte e confiança
parte na praia dos primeiros,
Quão longe de fazer atrás mudança.

Se

Aquestes bons espiritos verdadeiros, De que não digo o terço do que callo Que desprezar faria dos frecheiros;

Que longe de poderem enfada-lo
Aquelles insoffriveis alaridos
Daquella gente iniqua de cavallo.

Rodeado de mortos e feridos,
Que aquelle forte braço derribava,
Sendo os seus ás náos ja recolhidos.
Deo a alma a quem a desejava,
Com tanto gosto e contentamento
Que de tal esforço se esperava.

Ó bom desastre alegre esquecimento, Por vós o meu Silveira está na gloria, Por vós lá lhe repousa o pensamento;

Por vós eternamente na memoria
Correrá a este caso seu louvor,
De que se pode fazer larga historia,

Quem a vida sacrificou ao Redemptor.

ELEGIA XXIX

(INEDITA)

A

Divino almo pastor, Delio dourado quem de Amphrisio ja virão os prados Guardar formoso, rico e branco gado.

Aos quaes adormentavas enlevados
No doce som da lyra, e alternando
Com versos e cantares namorados.
E as Nymphas e pastores ensinando
O caminho de Cipro e dos amores,
As ondas, feras e aves enlevando.

Ó formosura e honra dos pastores,
Que d'hum a outro polo do horisonte
A natureza pintas de mil cores.

O pai das nove Irmãas, Senhor da fonte, A quem as ondas cedem de Lethĉo, Posta no mais excelso e sacro monte.

Por que causa me dize Almo Timbreo, O Ceo resplandecente hoje cobriste De tão mal assombrado e negro veo. Se lembranças te fazem Phebo triste, De Daphne para ti tão fera e crua, A quem com tal vontade ja seguiste.

Tambem te lembrará como por tua Causa foi transformada em verde rama Por não se ver da roupa casta nua.

Por donde aquella dor e aquella chama. No insensato corpo diffundida, Nenhum vigor nem força ja derrama.

Pois tu da praia Hesperia esclarecida
Adonde Thetis, Xanto e Gallatêa

A teus cavallos vem tirar a brida;
E a fermosa Clio e Panopêa
Com Doris sobre as ondas levantadas.
Te vem a receber com boa estrea.

Ainda estás áquem duas jornadas,
E no outro hemispherio a noute escura
Tem as nocturnas sombras encerradas.
S'acaso a caida e má ventura
De Phaeton te lembra, cuja morte,
Te deu sempre jamais tanta tristura.

O não teres tu culpa te conforte,
Que o moço de soberbo não podia
Cair em menos miseravel sorte;

Mas vós, castas Irmãas, que noute e dia Cantais em versos Elcyos o choro, Com o candido Cisne em companhia. Unidas todas ali vinde em choro, Hum padre consolai tão descontente, Em modulo cantar doce e canoro.

S'a dor que manifesta e mostra a gente

Desta causa procede, mas parece
Que outra pena maior he a que sente.

Pois a prenhada terra brota e crece,
De mil flores enchendo os verdes prados.
E tarda bem o tempo que anoutece.

Eolo nas montanhas encerrados,
Os crueis ventos tem mais furiosos.
De mil prisões de ferros carregados.

Só Zephiro e Phavonio d'amorosos.
Spiritos cheo brandamente aspira
Por estes valles verdes e formosos.

Clais formosa por amor suspira,
E Flora em companhia d'alvorada,
Que agora o seu veneno tem mais ira.
Pois tu no Touro fazes a morada,
Deixando Aquario e Piscis de mau brio
Com Venus antre os cornos assentada.
O qual meteo Europa no mar frio,
Assim que bem olhado e bem sentido
Triumphas do inverno e secco estio.
Se mortal rogo foi jamais ouvido,
Delio immortal de ti, se n'algu'a hora
Á piedade foste commovido,

Dize-me por que causa o mundo chora.
Mostrando taes sinais e tal tristura,
Escondendo a rosada e fresca aurora;
Que segundo os segredos da natura
Nos mostrão claramente os elementos,
O mundo não será de muita dura.
Vejo o furor do mar e bravos ventos.
Das estrellas e signos e planetas
De seus lugares fóra e firmamentos.
Vejo coriscos, raios e cometas,
Relampagos, trovões mui accendidos
Sahir por
differentes e altas metas.

E nos mais altos montes e subidos

De Pellio, Emo, Ossa, Pindo, Atlante,
Os robustos carvalhos destruidos.

Quer por ventura algum novo gigante
Subir por estes ao firmamento
E derrubar a Jupiter possante?
O qual movido de soberbo intento,
Qual os de Phlegra que são ja passados
Em
pago de tamanho atrevimento?

TOMO 111

17

Os eixos dos dous orbes ordenados
A sustentar a maquina mundana
Parecem ja desfeitos e quebrados.
Ó mente baxa de materia humana.
Cega no bem e vista na maldade
Que tão soberba vás e tão ufana,

Que vás buscando a fonte da verdade,
E cega-te a mentira de maneira
Que não vês palmo ja de claridade;

Põe os olhos da fé pura e sincera Nas altas cimas do Calvario monte, Por donde irás á gloria verdadeira. Verás a crystallina e clara fonte Da vida pura posta em hum madeiro Por te livrar da barca de Acheronte.

Ó verdadeira luz, justo cordeiro,
Jesus benigno, manso e piadoso,
Filho do Padre Eterno e verdadeiro,

Que causa te moveo, Rei poderoso,
Tão escondida lá na mente eterna,
A padecer fim tão deshonroso;

E deixares a mais alta e mais superna

Cadeira e vida pela mais escura
De quantas a mortal fama governa?
Se te moveo, Senhor, esta feitura,
Á morte condenada eternamente
Por a lei quebrantada de natura;
Lembra-te quão malvada e má semente
He esta a quem te das crucificado,
Que sempre te tem pago ingratamente.
Ó mundo ingrato, cego, descuidado,
Cheo de falsidades enganosas,
Em peccados e vicios occupado,

« AnteriorContinuar »