Por onde quiz por obra começar Aquella crua peleja receando, Concertos que a soem desviar.
A presteza da cousa está mostrando A vontade que tinha e o desejo De se ver ja na patria pelejando. Aquella hora, momento, aquelle ensejo Quantas vezes alli desejaria
Verem-no pelejar Nymphas do Tejo. Que vezes por ellas chamaria, Com que esforço seria esta lembrança, Quantas vezes a alguma invocaria. Com que graça e arte e confiança parte na praia dos primeiros, Quão longe de fazer atrás mudança.
Aquestes bons espiritos verdadeiros, De que não digo o terço do que callo Que desprezar faria dos frecheiros;
Que longe de poderem enfada-lo Aquelles insoffriveis alaridos Daquella gente iniqua de cavallo.
Rodeado de mortos e feridos, Que aquelle forte braço derribava, Sendo os seus ás náos ja recolhidos. Deo a alma a quem a desejava, Com tanto gosto e contentamento Que de tal esforço se esperava.
Ó bom desastre alegre esquecimento, Por vós o meu Silveira está na gloria, Por vós lá lhe repousa o pensamento;
Por vós eternamente na memoria Correrá a este caso seu louvor, De que se pode fazer larga historia,
Quem a vida sacrificou ao Redemptor.
Divino almo pastor, Delio dourado quem de Amphrisio ja virão os prados Guardar formoso, rico e branco gado.
Aos quaes adormentavas enlevados No doce som da lyra, e alternando Com versos e cantares namorados. E as Nymphas e pastores ensinando O caminho de Cipro e dos amores, As ondas, feras e aves enlevando.
Ó formosura e honra dos pastores, Que d'hum a outro polo do horisonte A natureza pintas de mil cores.
O pai das nove Irmãas, Senhor da fonte, A quem as ondas cedem de Lethĉo, Posta no mais excelso e sacro monte.
Por que causa me dize Almo Timbreo, O Ceo resplandecente hoje cobriste De tão mal assombrado e negro veo. Se lembranças te fazem Phebo triste, De Daphne para ti tão fera e crua, A quem com tal vontade ja seguiste.
Tambem te lembrará como por tua Causa foi transformada em verde rama Por não se ver da roupa casta nua.
Por donde aquella dor e aquella chama. No insensato corpo diffundida, Nenhum vigor nem força ja derrama.
Pois tu da praia Hesperia esclarecida Adonde Thetis, Xanto e Gallatêa
A teus cavallos vem tirar a brida; E a fermosa Clio e Panopêa Com Doris sobre as ondas levantadas. Te vem a receber com boa estrea.
Ainda estás áquem duas jornadas, E no outro hemispherio a noute escura Tem as nocturnas sombras encerradas. S'acaso a caida e má ventura De Phaeton te lembra, cuja morte, Te deu sempre jamais tanta tristura.
O não teres tu culpa te conforte, Que o moço de soberbo não podia Cair em menos miseravel sorte;
Mas vós, castas Irmãas, que noute e dia Cantais em versos Elcyos o choro, Com o candido Cisne em companhia. Unidas todas ali vinde em choro, Hum padre consolai tão descontente, Em modulo cantar doce e canoro.
S'a dor que manifesta e mostra a gente
Desta causa procede, mas parece Que outra pena maior he a que sente.
Pois a prenhada terra brota e crece, De mil flores enchendo os verdes prados. E tarda bem o tempo que anoutece.
Eolo nas montanhas encerrados, Os crueis ventos tem mais furiosos. De mil prisões de ferros carregados.
Só Zephiro e Phavonio d'amorosos. Spiritos cheo brandamente aspira Por estes valles verdes e formosos.
Clais formosa por amor suspira, E Flora em companhia d'alvorada, Que agora o seu veneno tem mais ira. Pois tu no Touro fazes a morada, Deixando Aquario e Piscis de mau brio Com Venus antre os cornos assentada. O qual meteo Europa no mar frio, Assim que bem olhado e bem sentido Triumphas do inverno e secco estio. Se mortal rogo foi jamais ouvido, Delio immortal de ti, se n'algu'a hora Á piedade foste commovido,
Dize-me por que causa o mundo chora. Mostrando taes sinais e tal tristura, Escondendo a rosada e fresca aurora; Que segundo os segredos da natura Nos mostrão claramente os elementos, O mundo não será de muita dura. Vejo o furor do mar e bravos ventos. Das estrellas e signos e planetas De seus lugares fóra e firmamentos. Vejo coriscos, raios e cometas, Relampagos, trovões mui accendidos Sahir por differentes e altas metas.
E nos mais altos montes e subidos
De Pellio, Emo, Ossa, Pindo, Atlante, Os robustos carvalhos destruidos.
Quer por ventura algum novo gigante Subir por estes ao firmamento E derrubar a Jupiter possante? O qual movido de soberbo intento, Qual os de Phlegra que são ja passados Em pago de tamanho atrevimento?
Os eixos dos dous orbes ordenados A sustentar a maquina mundana Parecem ja desfeitos e quebrados. Ó mente baxa de materia humana. Cega no bem e vista na maldade Que tão soberba vás e tão ufana,
Que vás buscando a fonte da verdade, E cega-te a mentira de maneira Que não vês palmo ja de claridade;
Põe os olhos da fé pura e sincera Nas altas cimas do Calvario monte, Por donde irás á gloria verdadeira. Verás a crystallina e clara fonte Da vida pura posta em hum madeiro Por te livrar da barca de Acheronte.
Ó verdadeira luz, justo cordeiro, Jesus benigno, manso e piadoso, Filho do Padre Eterno e verdadeiro,
Que causa te moveo, Rei poderoso, Tão escondida lá na mente eterna, A padecer fim tão deshonroso;
E deixares a mais alta e mais superna
Cadeira e vida pela mais escura De quantas a mortal fama governa? Se te moveo, Senhor, esta feitura, Á morte condenada eternamente Por a lei quebrantada de natura; Lembra-te quão malvada e má semente He esta a quem te das crucificado, Que sempre te tem pago ingratamente. Ó mundo ingrato, cego, descuidado, Cheo de falsidades enganosas, Em peccados e vicios occupado,
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