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ELEGIA XXVI

(INEDITA)

Quando os passados bens me representa No mais secreto d'alma o pensamento, Que quanto mais o vê, mais se atormenta. Tal fórma tomão neste apartamento Que nada me dá agora mais tristeza, Que o que me dava mór contentamento.

E quanto tive a gloria em mais largueza,
Tanto he maior agora a perda della
Que onde o poder he mór, he mór a preza.
E ja se consentíra a minha estrella
Que tivera esperança de cobra-la
Como tive receo de perde-la.

Sómente aquelle allivio de espera-la
Na força do que quero sustentada,
Me alcançará vigor para alcança-la.

Mas, segundo do tempo sou tratado,
Bem posso recear que algum descuido
Me roube o galardão de meu cuidado;

E quando aquella fé que eu nunca mudo
No mór perigo seu melhor guardada,
A quem tudo entregou merece tudo.

Então dos bellos olhos desprezada
Com tão pouca razão será esquecida,
Coin quanta deve sempre ser lembrada.
E se para isto só grangeo a vida,
Muito melhor partido me seria
Antes de mais perder, vê-la perdida.

Por ventura que assim descançaria, E metendo-me a vida em tanta affronta, Acharia na morte cortesia.

Nestes medos amor meus bens disconta, E não me vale a minha confiança, Que se muito montou nada ja monta. Cança-me o tempo, cança-me a tardança Com que elle corre, e a alma que trabalha, Quando elle tarda mais menos descança; Então em vãos suspiros, vãos espalha, E qualquer bem que póde descança-la, Sempre amor lho atalhou, sempre lho atalha. Pois se os males que passa accaso falla, Não tem parelha a dor dos que descobre Com o grão tormento dos que calla; Antes quantos mais são mais os encobre, Até que para crecerem juntamente Dobrando-se o segredo, o mal se dobre;

Porém como lhe lembra que o que sente De lá de vós lhe vem, nunca he tão triste Que logo isso o não faça ser contente.

E como o seu bem todo em vós consiste, Comvosco só se vale, a vós se acolhe, Que onde vós assistís só gloria assiste.

La na luz desses olhos se recolhe, Onde com larga mão se lhe concede Quanto cá juntamente se lhe tolhe.

Mas depois que he forçado que se arrede Outra vez de seus males combatida, Em vão se queixa, em vão mercês vos pede. Assim passo huma ausencia tão comprida, E se ainda tenho vida desta sorte,

He

por que entende amor que a propria vida Vivendo eu como vivo, he mais que morte.

ELEGIA XXVII

(INEDITA)

Quem poderá passar tão triste vida, Quem não espera ja contentamento Senão quando de todo for perdida.

Quem poderá soffrer tão grão tormento, Tão aspero, cruel, tão duro e forte, Quem morta a esperança e soffrimento; Quem póde imaginar tão dura sorte, Que faz crecer o mal continuamente, E por não dar remedio não dá a morte. Quem ha emfim tão triste e descontente Que sempre ande o passado imaginando, E em aborrecimento do presente.

Se lá onde tu estás vês qual ando,
Senhora, e o nosso amor inda lá dura,
Bem creo que meu mal estás chorando.
Que faltando-me a tua formosura
E a tua alegre e doce companhia,
Bem vês qual será minha desventura.
Tudo ja me entristece, a noute e o dia,
E o que mais me atormenta he a lembrança
Do bem que n'outro tempo possuia.

Ja perdi de cobra-lo a confiança,
E com isto perdi de ser contente,
Quamanho mal he a falta de esperança!

Se lá nessa outra vida se consente Sentir-se o mal que cá se anda passando, Senhora minha, o meu não vos atormente.

Porque segundo me elle vai tratando E o desejo de ver-te da outra parte Ja para ti me vai encaminhando. Perto me vejo ja de hir a buscar-te, Entre tanto te baste esta certeza,

Porque a mim só me basta contemplar-te.
Ali se acabará nossa tristeza,

Amor acabará de atormentar-nos
Não terá ali lugar sua crueza;

Mas te-lo-hemos nós para alegrar-nos.

ELEGIA XXVIII

(INEDITA)

Eu só perdi o verdadeiro amigo, Eu só heide viver nesta saudade, Sabe Deos a tristeza com que o digo.

O meu Silveira era huma vontade. Hum amor, hum desejo, hum querer, Ambos hum coração, e huma amizade. Não tenho ja razão de vos fazer Meus castellos de vento sobre o mar, Que cousa ha hi ja no Gange para ver? Que cousa nelle ha que desejar? Foi-se daquesta vida o meu Silveira, Tudo o bom na outra se hade achar.

Que espada nas batalhas foi primeira, Ou qual entre os imigos mais prezada, Ou qual se achou mais na derradeira? E ora de seus soldados ajudada Fóra delles huma hora mais seguida, Fôra delles melhor acompanhada.

Que aquella ilha delles tão temida, Elle a tinha ja em tal estreiteza Que durar não pudera hum'ora em vida. Mas gentes que não tem de natureza Esforço, espirito, sangue e condição, O seu natural he mostrar fraqueza. Deixão morrer seu proprio Capitão, Deixão perder as forças que os sostem. E tudo lhes consente o coração.

Não tratão da gloria deste bem, Deste viver na fama sempre e vida,

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que lhe dizem disto não o creem.

Quem a victoria vio mais conhecida, A não se ver dos seus desemparado Qual esteve mais certa ou mais subida? Com que saber o porto foi tomado gente do Barem que o defendia, Com que esforço foi tudo começado?

Que temor nos imigos ja se via, Que victoria tão clara aquella estava, Que cousa aquelle espirito não faria?

Que receio ja nelles se enxergava, Que derão pelas vidas se quizera Aquelle que tirar-lhas desejava?

Mas que ouro, que preço então podera Fazer tornar atrás tanta ousadia,

Ou

quem fôra que aquisto commettera? Quem se atrevèra ahi, quem ousaria Com os thesouros de Crasso accometer.

A

quem só honra e fama pertendia?
Forçado neste caso se hade crer
Que o coração lhe não dava lugar
A mais que n'aquisto podia ter.

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