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Lancei contentamentos a voar,
Tarde os espero ver, que he seu costume
Ter azas ao fugir, freio ao tornar.

O pensamento posto em alto cume.
Para sacrificar-se á vossa vista,
No coração me guarda eterno lume.

Com o pensamento os olhos tee conquista,
Pois sempre em vós está, porque os não leva,
Que elle muro não tee, que lhe resista.

Ainda que minha alma em vós se enleva..
Em todo tempo não deixa de arder,

Quando o monte arde em calma, ou quando neva.
Vivei, cuidados, em quanto eu viver,
Ou porque em sombras vossas sempre viva,
Ou porque me apresseis para morrer.
Vontade minha, sempre sois captiva,
Meu pensamento, nunca sois mudado,
Flamma de amor, sereis sempre em mi viva.
Suave captiveiro, doce estado,

Brando fogo de amor, que em vós guardais
A fim de meu desejo retratado;

Nunca nesta alma a minha, aonde estais
Falteis, porque então falta a esperança,
Sem quem me falta a vida muito mais.
Senhora, em cujo peito odio e mudança
Lanção fóra o Amor, e sua firmeza,
Que daes esquecimento por lembrança.
Armada dos espinhos da crueza,
Trazeis por apparencias a brandura
No rosto, a qual o peito pouco preza.

Mostrou-me hum leve bem minha ventura,

Paguci-o logo com longo tormento,

Que o gosto foge sempre, e a pena dura.

A tanta dor hum leve sentimento Nunca em vós pude ver; quanto em vão digo, Mais mudavel que o vento o daes ao vento. No principio meu Fado me foi amigo, Naveguei pelo mar deste desejo, Que leva de hum perigo a outro perigo.

Em vós he pouco o amor, em mim sobejo, Cresce em mim, falta em vós, e de maneira, Que de quanto em vós vi, ja nada vejo.

Mostrou-se-me o tormento na primeira
Com rosto alegre, para que o seguisse,
E lancei-me ao seguir nesta cegueira.
Fortuna, porque quiz que eu o sentisse,
Mostra-se, por mostrar qual dentro era,
Eu choro meu engano, e ella risse.
Quem em contentamentos vãos espera,
Espere cedo de desenganar-se,
Que tee breves limites sua espera.

Porém quem ha, que mais queira livrar-se
De tão doce prisão? ou quem deseja
Dos nós desses cabellos desatar-se?

Os olhos, a quem as luzes tee inveja, Que em vós o Amor de amor tendes vencido, Quem ha que vos não ame, e vos não veja?

Rosto formoso, em quem está esculpido O mór bem, que se póde ver na terra, Quem ha, não queira ser por vós perdido? Olhai, Senhora, as horas apressadas, Que vem cobrindo o ouro dos cabellos De neve, e torna as rosas descoradas. Ireis ver ao crystal os olhos bellos, E ja os não vereis quaes d'antes erão, Pois quaes então serão, não queiraes vellos.

Usai dos bens, que vão como nascerão, que tudo desce de alto estado,

Olhai,

Que tambem os prazeres meus descêrão,
Mas não descerá nunca meu cuidado.

ELEGIA XVI

Nunca hum apetite mostra o dano
Antes de ser de todo effeituado,
Mas no fim vem mostrar o desengano.
Dureza a causa, e eu desesperado,
Pelo que imaginou o pensamento,
Ando por esta serra desterrado.

Espalhando a voz ao leve vento,
Delle só consolado, delle ouvido,
O faço sabedor de meu tormento.

Que monte ha, que não tenha ja movido,
Que aspera montanha, ou roca dura,
A força de meu mal não merecido.

Nas duras pedras acha-se brandura,

Falta nesse cruel humano peito.
Quem vio nunca maior desaventura!
Pouco póde em ti amor perfeito,
Quando de hum movimento vive indino,
Que jamais se negou a hum sogeito.

Da ventura, de vós, de meu destino,
Pois todos contra mim são conjurados,
Este valle farei de meu mal dino.

Com elle a noite, e o dia meus cuidados Passarei em acerba e longa vida Em queixas, e em suspiros desusados.

Porque sei

que serás disso servida,

Não deixarei dos montes a dureza,
Até tua vontade ser movida.

Aqui me subirei na mór alteza
Da serra, onde logo contemplada
Será tua perfeição, tua crueza.

A alma em ti só prompta e occupada Estando de tormento esquivo e duro, Opprimida será de ti levada.

Discorrendo hum passo, e outro escuro,
De mal em mal, de hum em outro dano,
A paga tal verá de hum Amor puro.

E vendo aqui tão claro o desengano,
C'os olhos feitos fontes mudará
Lugar tão infelice, e deshumano.
E o que mór tormento lhe dará
A lembrança de algum contentamento,
Que inda que pequeno, magoará.

Fará

por divertir ⚫ pensamento

Desta parte tristissima mudando
Hua lembrança cheia de tormento.

Alli algum espaço porfiando,
Tendo por impossivel esquecer-te,
Ficará ao vento vozes dando.

Alli se queixará de conhecer-te,

Alli dura, cruel, despiedosa

Dirá: Dize, que pódes ja mover-te.

Mais que Venus (dirá) dize, formosa,
Quando nessa belleza pura e rara
Se verá hua hora piedosa.

Alli dirá, cruel, e quem cuidára
De hum espirito tão resplandecente
Tão fera condição, e tão ayara?

Alli vivirá triste, alli ausente,
O costumado mal por si soffrendo,
De o quereres tu tanto contente,
Como o mundo está ja conhecendo.

ELEGIA XVII

La sierra fatigando de contino
Los
passos vagarosos voy moviendo,
Perdiendo de la vida todo el tino,

De mis suspiros tristes no pudiendo
El alma apartar, e el pensamiento
De aquella por quien yo estoy muriendo:

Que aunque la ausencia es grave tormiento,

Que te olvide en ello es impossible,

Que con amor no puede apartamiento.
Veote con espirito invisible:

En el muy vivo tengo aquel menco
Tan fiero para mi, y tan terrible.
Todo lo más alegre triste veo,
El fresco valle, el monte, la espessura,

La clara fuente enoja aun el desco.

El dia se me buelve en noche escura,

No puede amanecer de dó ausente:
Tus claros ojos son, de tu hermosura.
Permitte ya, Señora, que presente.
Do quiera que tu luz es detenida
Sean el alma, y vida juntamente.

En tu servicio alli prompta la vida
Porné en alma sola en contemplar-te,
Aunque me seas siempre endurecida.

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