Imagens da página
PDF
ePub

E

que

dos olhos seus não destillasse Tanta copia de lagrimas ardentes, Que carreiras no rosto sinalasse?

Oh quem lhe víra os olhos refulgentes
Convertendo-se em fontes, e regando
Aquellas faces bellas e excellentes!

Quem a ouvíra com vozes ir tocando
As estrellas, a quem responde o Ceo,
Co'os accentos dos Anjos retumbando!
Quem víra quando o puro rosto ergueo
A ver o Filho, que na Cruz pendia,
Donde a nossa saude descendeo!

Que mágoas tão chorosas que diria!
Que palavras tão miseras e tristes
Para o Ceo, para a gente espalharia!

Pois que seria, Virgem, quando vistes
Com fel nojoso, e com vinagre amaro
Matar a sede ao Filho que paristes?

Não era este o licor suave e claro,
Que para o confortar então darieis
A quem vos era, mais que a vida, charo.
Como, Virgem Senhora, não corrieis

A dar as puras tetas ao Cordeiro,
Que padecer na Cruz com sêde vieis?
Não era só, não, esse o verdadeiro
Poto, que vosso Filho desejava,
Morrendo por o mundo em hum madeiro;

Mas era a salvação que alli ganhava
Para o misero Adão, que alli bebia
Na fonte que do peito the manava.

Pois, ó pura e Santissima Maria,

Que, emfim, sentistes esta mágoa, quanto
A grave causa della o requeria;

[merged small][ocr errors]
[ocr errors]

D'essa Fonte sagrada e peito santo M'alcançae huma gotta, com que

lave

A culpa que me aggrava e pesa tanto.

Do licor salutifero e suave

M'abrangei, com que mate a sêde dura
Deste mundo tão cego, torpe e grave.
Assi, Senhora, toda criatura

Que vive e vivirá, e não conhece
A Lei de vosso Filho, a abrace pura;
O falsissimo herege, que carece
Da graça, e com damnado e falso esprito
Perturba a Santa Igreja, que florece;
O povo pertinaz no antiguo rito,
Que só o desterro seu, que tanto dura,
Lhe diz qu'he pena igual ao seu delito;
O torpe Ismaelita, que mistura
As Leis, e com preceitos tão viciosos
Na terra estende a seita falsa e impura;
Os idolatras mãos, supersticiosos,
Varios de opiniões e de costumes,
Levados de conceitos fabulosos;

tenhão

As mais remotas gentes, onde o lume Da nossa Fé não chega, nem que Religião alguma se presume;

Assi todos, emfim, Senhora, venhão

A confessar hum Deos crucificado,

E

por nenhum respeito se detenhão.

E d'hum e d'outro o vício ja deixado,

O seu nome, co'o vosso nesse dia,
Seja por todo o mundo celebrado;
E respondão os Ceos: JESUS, MARIA.

ELEGIA XII

(ACROSTICA)

Juizo extremo, horrifico e tremendo,
E Juiz sempiterno, alto e celeste,
Significará a terra, humedecendo.
Ver-se-ha nella hum suor que manifeste
Como em carne vem Deos, para que o veja
Homem toda esta machina terreste;

Rei justo, que dos corpos e almas seja
Juiz; e quando o mundo cego e inculto
Sobre espinhos crucis deitado seja,
Todo vão simulacro e gentil culto
Ousará engeitar a gente; e guerra
Fará co'o mar o fogo, e cru tumulto.
Immensa luz, que as carnes desenterra,
Lançará fóra as portas vãas do Averno,
Hum Justo e outro alçando á santa terra.
Outros, que são os mãos, no fogo eterno
Deitará, descobrindo-se os segredos,
E sendo claro todo feito interno.
Desfeitos serão montes e penedos,
E será tudo pranto e estridor duro;
Obras de grande dor e tristes medos.
Será tornado o sol de todo escuro,
E destruida a machina do mundo,
Sem luz as luzes todas do Orbe puro;
Altos serão os valles, e em profundo
Lugar se abaterão os altos montes;
Vibrará mares vento furibundo:
Averá só de chammas vivas fontes:

De trombeta tremenda som terribil,
Ouvido, fará pallidas as frontes.
Responderá dos máos gemido horribil.

ELEGIA XIII

Se obrigações de fama podem tanto, Que inda de Helena vive hoje a memoria, Fazendo cada vez maior espanto;

Se tambem de Lucrecia a Livia historia, Inda que ja passada, cá florece, E por fama, e triumpho hoje tee gloria;

Se a perfeição de Laura nunca esquece,
Tambem he que por fama laureada,
Nos ficou por Petrarcha, e hoje crece;

E se aquella cruel Troyana espada,
Deo com a morte 'vida á formosura
De Dido, por Virgilio celebrada:

E se Venus formosa, hoje segura

Se apresenta em mil versos, e Diana
Com as nove Irmãas d'Apollo tee ventura;
Que fará a formosura soberana
De Figueiroa illustre, de quem quero
Cantar com doce Lyra, e Mantuana?

Mas se me ella não falta, della espero
Cantar, não destas ja, que ja acabárão;
Destas cante Virgilio, cante Homero:

Que se outras com seus versos celebrárão,

Foi, que por sua idade, a desta. dama (Por inda estar no Ceo) não na alcançárão.

Mas tinha-lhe a ventura Oriental cama, Guardada lá em Damão, porque nascendo, Perder fizesse ás outras gloria e fama.

E em quanto alegre declarar pretendo,
Vós, Pae de tal thesouro, dae-me ouvidos,
Para delle dizer, mais do que entendo.

Não reproveis meus versos d'atrevidos,
Antes dae-lhe louvor, para que sejão
De tal dama, e de vós favorecidos:

Que milagres d'amor farei que vejão?
Direi os olhos bellos, boca e riso,
Mil partes, que outras damas ter desejão.
Cabellos d'ouro, emfim seu grande aviso,
Sua arte, perfeição, e formosura,
Que na terra nos mostra hum paraiso?

Que mais? O grave aspeito, e a brandura, A boca de rubis, cheia de perlas, Das crystallinas mãos a neve pura?

Senhora Dona Maria, entre as mais bellas,
Vós sois, quem nossa idade hoje enriquece,
E entre ellas sois qual sol entre as estrellas.
Por vós Damão, Senhora, hoje florece,
Por vós as Musas ja do sacro monte,
Donde contino o louro verde crece,

Vos vem apresentar, da clara fonte,
De pallidas violas coroadas,
As pegaseas flores de Heliconte.

A vós se vem cantando, rodeadas
Das Nymphas, que o dourado Tejo cria,
Com suas doces Lyras temperadas.

E com seu suave canto, e melodia,
Chegadas a vós ja dizem cantando,
Esta he por quem Apollo emmudecia,

« AnteriorContinuar »