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A biographia que precede a edição do Morgado de Matheus D. José Maria de Sousa Botelho pouco mais adianta a não ser dar-nos a noticia da nota do exemplar dos Lusiadas que pertenceu a Fr. José Indio, e hoje possue Lord Holland: no mais é a reproducção do que escreveram os outros (fallo na parte biographica); e nem podia ser de outra maneira, porque faltavam os fundamentos para novas revelações. É muito -louvavel todavia o enthusiasmo que levou o illustre editor a levantar ao seu Poeta um monumento tão glorioso como é a sua sumptuosa edição dos Lusiadas.

O mesmo enthusiasmo animou os editores da biographia que precede a edição das obras do Poeta dada á luz em Hamburgo no anno de 1834. Escrevendo fóra da patria, poucas mais noticias se lhes poderiam offerecer para darem mais estendido desenvolvimento ao seu desejo pela justa veneração que sabemos professavam pelo nosso Auctor.

Dos estrangeiros trataram em nossos dias este assumpto, entre outros a celebre M.me de Stael, Mr. Adamson, Mr. Ferdinand Denis, Mr. Aubert e Mr. Magnin. Não é nosso intento analysar aqui as suas obras, pela brevidade a que somos obrigados a cingir-nos, o que faremos porém mais largamente em outra parte d'este nosso trabalho: só temos, como portuguezes, a agradecer-lhes a solicitude com que se deram a trabalhos tão alheios da litteratura da sua patria. É mais uma prova do grande merecimento do nosso Poeta, que attrahe tão poderosamente a attenção dos mesmos estrangeiros, pela excellencia das suas poesias e pelo romantico da sua vida.

Sobre o nosso opusculo seja-nos permittido o dizer que explorámos com alguma attenção differentes archivos d'esta cidade, e mui especialmente o rico deposito da Torre do Tombo, prestando-se tambem na Asia algumas pessoas a fazerem pesquizas, aindaque infructuosas, nos de Goa e Macau. As bibliothecas d'esta corte, a Publica, as Reaes das Necessidades e da Ajuda, a da Academia Real das Sciencias, foram por nós directamente examinadas, bem como por interposta. pessoa as do Porto, Coimbra e Evora, fazendo-se iguaes indagações fóra de Portugal nas principaes bibliothecas da

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Europa, e nas de algumas academias, como em seu logar advertimos. Repetidas vezes lemos e confrontámos as poesias de Camões, tanto as impressas como as manuscriptas, as quaes nos serviram de grande auxilio, pois, apesar da confusão que encerram, são elementos essencialissimos para quem tiver de escrever a sua vida. Estas nos levaram ás vezes a fazer novas conjecturas, desviando-nos em algumas occasiões do caminho já trilhado, quando a isso rasões plausiveis nos persuadiram.

São as obras dos poetas quasi sempre o espelho da sua vida, nas quaes ordinariamente se reflectem as suas mais intimas inclinações, e ficam consignados os factos mais notaveis da sua existencia. Não são poucos os exemplos que poderiamos apontar, e sirva por todos, para os não buscarmos do nosso Poeta, as poesias de Horacio, sobre as quaes se póde, quasi sem outro auxilio, formar a sua auto-biographia, começando pela sua educação que, por uma maneira tão interessante e filial, descreve na sua Satyra vi. As mais pequenas cousas não se devem desprezar; a um acrostico devemos nós o saber quem era a Sylvia de Diogo Bernardes, ou, para melhor dizer, sua mulher, como diremos mais largamente na vida que temos encetado d'este Poeta.

Mofava Pascal d'aquelles que diziam o meu livro o meu commentario; se um homem de tão profundos conhecimentos apresentava este pensamento sobre a genuina propriedade de qualquer producção litteraria, que farei eu? Seria sem duvida vestir-me com as pennas do pavão se eu não confessasse publicamente o grande auxilio que recebi de muitas pessoas doutas, das quaes espero no fim d'este meu trabalho dar noticia mais circumstanciada. Não posso comtudo deixar de agradecer antecipadamente ao Sr. José Manuel Severo Aureliano Basto, digno Official Maior do Archivo Nacional da Torre do Tombo (a cuja casa quasi que me reputo pertencer, se não officialmente, por adopção e frequencia de vinte e seis annos) por me haver proporcionado o exame dos documentos que fazem a parte principal do meu trabalho, e onde nasceu a idéa pela acquisição do Alvará da tença, primeira descoberta que ahi fizemos. Aceite pois o Sr. Official Maior e os mais

empregados d'este importante estabelecimento publico, dos quaes recebi sempre o mais benevolo acolhimento, os meus agradecimentos.

Ao nosso eximio escriptor o Sr. Alexandre Herculano devi o franquear-me o accesso ás duas bibliothecas reaes, sendo de grande interesse a acquisição de algumas noticias extrahidas da rica Bibliotheca das Necessidades, outr'ora dos Padres Congregados de S. Filippe Nery.

A mesma benevola cooperação recebi dos Srs. Bibliothecarios móres da Bibliotheca Nacional de Lisboa, desde o Sr. Visconde de Balsemão até o Sr. José da Silva Mendes Leal Junior, e dos mais empregados os Srs. F. Martins de Andrade, J. J. Barbosa Marreca, A. S. Tulio, F. Cassassa e Jacob F. Dinkelaker.

Com o Sr. João Pedro da Costa Basto, mancebo que a muita erudição reune a mais singular modestia, comecei a revisão d'este trabalho; porém tendo infelizmente adoecido, o Sr. José Gomes Goes, Official da Bibliotheca Nacional, actualmente em commissão no Archivo Nacional, me fez o obsequio de o substituir, e aos conselhos e coadjuvação de um e outro me confesso extremamente grato.

• Tendo-se por Portaria do Ministerio do Reino, em virtude de uma verba votada em Côrtes, ordenado que na Imprensa Nacional se estampasse esta edição, devendo ficar metade para encontrar o desembolso da impressão, o Sr. Conselheiro Administrador Geral Firmo Augusto Pereira Marécos, que com infatigavel zêlo tem elevado aquelle estabelecimento á altura das mais bellas typographias, poz a peito com animo patriotico que a edição fosse digna do Poeta e da casa que tão dignamente administra. Este sentimento se communicou aos mais empregados seus subalternos, que todos se têem empenhado em me auxiliar n'este pequeno monumento que pretendo levantar á memoria do nosso Poeta, emquanto a nação lhe não levanta no bronze outro mais grandioso, o que agora esperamos será levado a effeito. Cumpre porém fazer uma observação, e é esta; que se alguns erros se encontrarem, devem estes ser postos a cargo a mim e não á casa, em resultado da situação excepcional em que puz a

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minha obra no prelo, distrahido por negocios domesticos que affluiram e pouca saude.

Ao Sr. J. C. Figanière, Official e Chefe de Repartição da Secretaria dos Negocios Estrangeiros, devi o pôr-me em communicação com os nossos Consules, os quaes delicadamente se prestaram a algumas indagações nos paizes onde residiam. Aos Srs. Bertrands, que, no que toca especialmente a litteratura nacional, podemos reputar os nossos Aldos, mais de uma vez consultei, aproveitando da sua bem conhecida. intelligencia litteraria e pratica.

Da interessante obra com que o Sr. Innocencio Francisco da Silva brindou a litteratura nacional, o seu Diccionario Bibliographico, em que salvou do esquecimento tanto nome illustre portuguez, á qual já se faz a devida justiça e mais tarde. se lhe fará mais, me vali por differentes vezes, principalmente no que toca aos auctores contemporaneos. Desejava, e era para mim gostosa tarefa, continuar com a enumeração das pessoas a quem devi favor durante este trabalho, porém sou forçado a pôr atalho, reservando-me para o fazer em occasião mais opportuna.

Fechamos esta advertencia preliminar com uma observação necessaria, isto é, que apesar de nos acharmos devidamente possuidos de exaltado enthusiasmo pelo Poeta, nunca perdemos de vista a verdade, e procurámos abafar este scntimento de admiração quanto em nós foi possivel, para não faltar ao primeiro e mais essencial preceito de quem escreve a historia. Assim não nos importou incorrer na censura do publico confessando qualquer erro do Poetae tão debeis são elles, e apagados com tanto merecimento real, que este sempre sobresáe-e o que mais nos ajudou n'este proposito, foi a lembrança de que, se fosse possivel resuscita-lo, elle seria o primeiro a rasgar a pagina onde intentassemos exaltar-lhe a fama a troco de uma falsidade.

Julgamos pois apresentar como escudo estas reflexões contra os golpes de qualquer critica demasiadamente rigorosa. Quem se deu a tão minucioso trabalho como este, não foi senão animado de sentimentos de cordialidade e admiração: porém persuadiu-se de que, apresentando os factos taes e

quaes, faria melhor serviço á memoria do Poeta, por isso que nada tinha a receiar da verdade. A nacionalidade de Camões está tão arreigada, e a parte mais saliente do seu caracter tão definida de amor pela patria que lhe deu o sere o seu merecimento litterario tão altamente apregoado entre nacionaes e estranhos, que cousa alguma póde abalar a sua fama, quer seja como cidadão benemerito ou poeta excellente.

Para se avaliar bem o Poeta e o Poema basta que se apontem aqui dois exemplos: no cerco de Columbo, para se alliviarem dos incommodos trabalhos e fomes do assedio, repetiam os nossos soldados em côro estancias inteiras do seu Poema; e na guerra peninsular, n'este ultimo relampago da gloria portugueza, alguns versos do Poema nacional, escriptos nas bandeiras de alguns regimentos, eram premio honroso para os nossos valorosos soldados. Tal era a magia de seus versos patrioticos!

a

9 Ás brigadas 3. e 4.a, compostas dos regimentos n. 9 e 21, 11 e 23, foram dadas bandeiras, por Decreto de 13 de Novembro de 1813, con estes versos n'ellas inscriptos do nosso Poeta :

E vereis qual é mais excellente

Se ser do mundo Rei se de tal gente.

em recompensa do seu distincto comportamento na batalha de Victoria.

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