menta toda a sua ventura, e lhe inveja a dita de estar em Lisboa, onde então residia a sua amante. O mesmo digo eu tambem, Se eu brado noute e dia Venid ora e llevad me. Como poderá porém pôr em effeito o seu desejo, se uma ordem tyrannica o separa d'ella? se o praso do degredo não será terminado Senão vindo aquelle dia Que ha de ser fim de dous annos. Forçoso é comtudo, emquanto não chega esse dia tão desejado, soffrer com toda a resignação o seu tormento Pues que suffrir e callar Conviene a mi pensamiento. Em uma segunda carta falla de uma refrega com os mouros com aquella mesma indifferença e singeleza com que mais tarde nos descreve a sua primeira expedição na India, mas pelo estylo da descripção se vê que, apesar de ser com pequeno numero de combatentes, foi crespa e soffrivelmente ferida. N'esta carta, depois de pintar a melancholia e saudade que o domina longe da amante, passa a descrever esta escaramuça: E pois que ja comecei, Vejo o mar embravecer, Andando só, como digo, Apartado da manada Vinhão d'esporas douradas, Gentes de muitas maneiras Lanças vos parecerane. Tudo anda de levanto Era o campo todo cheo, No os allabareis d'aquesta. Comigo mesmo fallando Contar feitos esquecidos Pois fallo em tão fraca guerra, Sinal he de vosso amigo, Visto como estais em terra Que ha outras de moor perigo: Del mi amor que alla era? Na elegia II a linguagem muda, as badaladas de que falla na primeira carta tinham-se trocado em viva guerra; porém nem a nova terra, nem o novo trato das gentes, nem as armas tão continuadas o podiam distrahir da sua profunda melancholia. Umas vezes ao longo de uma praia saudosa, esparzia a saudade; outras subia ao monte Abila, e d'ahi considerava a instabilidade do mar, tão analoga á da vida humana: porém nenhuma distracção podia mitigar-lhe a pena, que o coração voava á terra da patria. Não é aqui logar de descrever os successos militares que se passaram na Africa, no tempo em que o Poeta militou n'estas partes; mas é de suppor que campeava sempre como brioso e denodado cavalleiro n'estas lustrosas cavalgadas e escaramuças, que umas vezes por galhardia, outras por necessidade, diariamente se tinham no campo, ou quando. os nossos guerreiros sequiosos de aventuras desciam a talar-lhes os campos e aduares, ou quando os arabes, que não eram menos guapos cavalleiros, se apresentavam a desafia-los nas suas almogaravias e assaltos com que ameaçavam as nossas praças. Estes combates tão continuados, de que nos falla o Poeta n'esta mesma elegia, não eram só os que nasciam da necessidade de repellir as incessantes aggressões dos mouros, que não se descuidavam de incommodar os portuguezes; frequentes vezes tinham tambem que montear os leões que vinham mesmo debaixo das muralhas das praças saltearlhes os bois e cavallos. É curioso ler na brilhante e animada prosa de Fr. Luiz de Sousa a descripção de duas d'estas montarias em Arzilla, nas quaes o conde de Borba, sendo capitão d'esta praça, matou dois leões, mandando um d'estes à condeça, que muito aborrecia taes presentes. Mas se nos deleita tanto a pintura fiel do insigne prosador dominicano, ainda mais bello é ver como o nosso Poeta descreve, no canto iv do seu poema, uma d'estas caçadas, nas quaes mais de uma vez tomou parte, quando assemelha o famoso condestavel D. Nuno Alvares Pereira, derrubando os inimigos em Aljubarota, ao leão accossado pelos cavalleiros nos campos de Tetuão: XXXIV Está ali Nuno, qual pelos outeiros Alem da elegia i já citada, e das duas cartas ineditas, em outras composições do nosso Pocta se encontram referencias a este degredo, especialmente na canção п, ode ш e elegia xvi. A canção п e a ode ш, poesias onde conjuntamente, como na elegia I, reina a mesma allegoria dos tormentos do inferno pagão, e feitas sem duvida por este accidente da vida do Poeta, servem para nos explicar esta phase infeliz dos seus amores, e especialmente uma variante da elegia II em um manuscripto que eu possuo, e que o Poeta cortou depois n'esta composição. Na canção, o Pocta descrevendo aquella dor tartarea, como elle chama ao ciume que mais de uma vez lhe corroeu o coração, o assemelha aos tormentos que soffrem os condemnados no reino escuro; e pelos exemplos que escolhe de Tantalo, Ixion e Sysipho, se vê que por intentar, como o primeiro, levar o seu baixo pensamento á altura de uma deusa, abraçou como o segundo a nuvem, e como o terceiro foi condemnado a um duro e eterno supplicio. Na ode ш, feita no mar por occasião em que se dirigia a este degredo, porque n'ella como na elegia 1, composta sobre o mesmo elemento vario das ondas do mar, se dirige ás nymphas maritimas para ouvirem as suas queixas, continua com a mesma allegoria: XV Mas que digo, coitado, E de quem fio em vão minhas querellas? Humido Reyno) bellas E claras Nymphas, condoeyvos dellas. XVI E de ouro guarnecidas Vossas louras cabeças levantando, Sobre as ondas erguidas As tranças gotejando, Sahindo, vinde a ver qual ando. |