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E, logo como a tirou,
Me disse: Aviva os espritos;
Que pois em teu favor sou,
Esta penna, que te dou,
Fará voar teus escritos.

E dando-me a padecer

Tudo o que quiz que puzesse,
Pude em fim delle dizer,

Que me deo com qu'escrevesse

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Ah Senhora, em quem se apura A fé de meu pensamento!

Escutae e estae attento,

Que com vossa formosura

Iguala Amor meu tormento.
E, postoque tão remota
Estejais de m'escutar

Por me não remediar,
Ouvi, que pois Amor nota,
Milagres são de notar.

Escrevem varios Authores,
Que junto da clara fonte
Do Ganges, os moradores
Vivem do cheiro das flores
Que nascem naquelle monte.
Se os sentidos podem dar
Mantimento ao viver,
Não he logo d'espantar,
S'estes vivem de cheirar,
Que viva eu só de vos ver.

Huma arvore, se conhece,
Que na geral alegria
Ella tanto s'entristece,
Que, como he noite, florece,
E perde as flores de dia.

Eu, qu'em ver-vos sinto o preço
Qu'em vossa vista consiste,

Em a vendo m'entristeço,

Porque sei

que não mereço

A gloria de ver-me triste.

Hum Rei de grande poder
Com veneno foi criado,
Porque, sendo costumado,
Não lhe pudesse empecer,
Se despois lhe fosse dado.
Eu, que criei de pequena
A vista a quanto padece,
Desta sorte m'acontece,
Que não me faz mal a pena,
Senão quando me fallece.

Quem da doença Real
De longe enfermo se sente,
Por segredo natural

Fica são vendo sómente
Hum volatil animal.

Do mal, que Amor em mi cria,
Quando aquella Phenix vejo,
São de todo ficaria;
Mas fica-me hydropesia,
Que quanto mais, mais desejo.

Da vibora he verdadeiro,
Se a consorte vae buscar,
Qu'em se querendo juntar,
Deixa a peçonha primeiro,
Porque lh'impede o gerar.
Assi quando m'apresento
Á vossa vista inhumana,
A peçonha do tormento
Deixo á parte, porque dana
Tamanho contentamento.

Querendo Amor sustentar-se,
Fez huma vontade esquiva
D'huma estatua namorar-se:
Despois, por manifestar-se,
Converteo-a em mulher viva.
De

quem m'irei eu queixando, Ou quem direi que m'engana Se vou seguindo, e buscando Huma imagem, que d'humana Em pedra se vai tornando?

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Co'o

pezo do mal que dais,

A constancia qu'em mi vejo,
Não sómente ma dobrais,
Mas dobra-se meu desejo,
Com qu'então vos quero mais.

Se alguem os olhos quizer
Ás andorinhas quebrar,
Logo a mãe, sem se deter,
Huma herva lhe vai buscar
Que lhes faz outros nascer.
Eu que os olhos tenho attento
Nos vossos, qu'estrellas são,
Cegão-se os do entendimento,
Mas nascem-me os da razão
De folgar com meu tormento.

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