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Aqui se acaba esta santa oração.

Quem esta oração rezar 7 sexta-feira, de paixão,
E outras tantas carnaes,

Tem cem annos de perdão,

Se for seu pai, sua mãe, mais toda a sua geração.

Ha na Illiada um trecho muito citado e rico de verdades. Homero falla das orações e diz « As orações são filhas do grande Zeus, filho de Kronos. Capengas, zarolhas, fairronas occupam-se em seguir a Fatalidade. A Fatalidade é robusta e agil. Vai muito adiante fazendo aos homens um mal que as orações remedeiam. » É destino do homem rezar, pedir o auxilio do desconhecido para o bem e para o mal, é sina deste pobre animal, mais carregado de trabalhos que qualquer outro bicho da terra ou do mar, ter medo e desconfiar das proprias forças. A Fatalidade o̟ vai conduzindo por caminhos que são despenhadeiros ás vezes e campos de risos raramente. O homem chora, ergue os olhos para o azul do céo, a menor das suas ilusões povoa-o de forças invisiveis e fala, e pede, e suplica. Que importa que diga tolices ou phrases lapidares, horrores ou pensamentos suaves? E' preciso remediar a Fatalidade.

E é por isso que emquanto existir na terra um farrapo de humanidade, esse farrapo será um moinho de orações.

E por isso, talvez, que os vendedores de orações acabam mais ou menos supersticiosos dessa superstição teimosa que acredita apezar de tudo; é por isso que um pobresinho vendedor dessas fantasias do Pavor ignorante não sahe de casa sem

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Os Urubús

Estou esperando!
Não quero!
Deixal-o passar!
Naufragou!

Eu vinha vindo com o frescor da manhã por aquelle trecho da praia de Santa Luzia, tão suave e tão formoso, onde se amontoam as cousas lugubres da cidade a Santa Casa, o Necroterio, o serviço de enterramentos. Entre as arvores fronteiras ao hospital vendedores ambulantes vociferavam os pregões de cangica, de mingáo, de pães doces; dos bondes pejados de gente saltavam creaturas doentes, paraliticas algumas, de oculos outras. Pelas escadas de pedra lavada formigava constantemente a turba doente, mostrando as ma

zelas, como um insulto e uma afronta aos que estavam sãos, entre os enfermeiros do hospital, de calça de zuarte azul e dolman pardo, nedios e sadios. Eu vinha precisamente pensando como gosam saude os enfermeiros, e aquellas phrases maçonicas fizeram-me mal. Parei, consultei o relogio. Os quatro tipos não se ralavam mais com a minha presença. Dous olhavam com avidez os bondes. que vinham da rua do Passeio; dous estavam totalmente voltados para o lado da Faculdade. Ao aparecer um bond, um magrinho bradou :

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Prestei atenção. Do «< tramway » em movimento saltou um cavalheiro defronte do Necroterio.

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V. S. ha de aceitar um cartãosinho da nossa casa. Não precisa de se incomodar. Tratamos de tudo! Faça negocio comigo!

Co

A um tempo fallavam todos, e o cavalheiro, berto de luto, com o lenço empapado de suor e de lagrimas, murmurava, como si estivesse a receber

pezames:

- Muito obrigado! Muito obrigado! Aproximei-me de um dos funcionarios do serviço mortuario.

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Que especie de gente é essa?

-Oh! não conhece? são os urubús!
Urubús?

Sim, os corvos... É o nome pelo qual são conhecidos aqui os agenciadores de coroas e fazen

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