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sivel para ocultal-os e escondem os desenhos do corpo como um crime. Porque? Receio de que sejam signaes por onde se faça o seu reconhecimento? Isso com os da policia talvez. Mas mesmo com pessoas, cujos intentos conhecem, o receio persiste, porque de certo elles consideram aquillo a marca de fogo da sociedade, de cuja tentação foram incapazes de fugir, levados pela inexoravel fatalidade.

Ha tatuagens religiosas, de amor, de nomes, de vingança, de desprezo, de profissão, de belleza, de raça, e tatuagens obscenas.

A vida no seu feroz egoismo é o que mai nitidamente ideographa a tatuagem.

As meretrizes e os criminosos nesse meio de becos e de facadas têm indeleveis idéas de perversidade e de amor. Um corpo d'esses, nú, é um estudo social. As mulheres mandam marcar corações com o nome dos amantes, brigam, desmancham a tatuagem pelo processo do Madruga, e marcam o mesmo nome no pé, no calcanhar.

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Olha, não venhas com presepadas, meu macacúano. Tenho-te aqui, desgraça! E mostram ao malandro, batendo com o chinello, o seu nome odiado.

É maior das ofensas nome no calcanhar, roçando a poeira, amassado por todo o peso da mulher...

Ha ainda a vaidade imitativa. As barregas das viellas baratas têm sempre um signalzinho azul na face. É a pacholice, o grain de beauté, a gracinha, principalmente para as mulatas e as negras

fulas que o consideram o seu maior atractivo. Quando envelhecem, as pobres mulheres mandam apagar os signaes- porque querem ir limpas para o outro mundo, e a Florinda, ha pouco falecida, que rolara quarenta annos nos bordeis de S. Jorge e da Conceição, dizia-me dias antes de morrer:

Ai, meu senhor, isto é para os homens! Quando se fica velha arranca-se, porque a terra não vê e Deus não perdoa.

Grande parte d'esses homens e dessas mulheres têm o delirio mais sensual, fazem os nomes queridos em partes melindrosas, marcam os membros delicados com punhaes, lampadas e outros simbolos. Neste caso eu tenho o Antonio Doceiro, um lindo rapazito que foi bombeiro depois de ter rolado pelo mundo, e a Annita Páo. Ambos têm desenhos curiosos por todo o corpo, e a pobre Annita mostra no calcanhar por extenso o nome do pai de seus filhos e traz em cada seio a inicial dos dois pequenos como numa eterna oferenda a sua unica oferenda de mãi aos desgraçados perdidos...

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Num meio de tão fraca illusão, onde as missangas substituem os pendentif d'arte e a vida ruge entre o Desejo e o Crime, depois de muito ver os pobres entes marcados como uma cavalhada, cavalhada da Luxuria e do Assassinio, começa a gente a sentir uma concentrada emoção e a imaginar com inveja o prazer humano, o prazer carnal, que elles terão ao sentir um nome e uma figura debaixo da pele, inalteraveis e para todo o

sempre.

Aquelle pequeno impressionou-me de novo na profissão estranha. Indaguei.

Quanto fizeste hoje?

Hoje fiz doze mil réis.

E eu comprehendi que afinal tatuador deve ser uma profissão muito mais interessante que a de amanuense de secretaria...

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Era num canto de rua, por uma tarde de chuva. O pobre garoto, muito magro, com o pescoço muito comprido, sobraçava o maço de orações, a sorrir.

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Mas, creatura, a oração dos nove foi desmoralisada!

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E agora é que se vende mais. Olhe, eu hoje vendi quatrocentos folhetos. Só de oração dos nove, trezentos e vinte e cinco.

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