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até agora tão uteis como o nosso ultimo latinoamericano, ficou claramente determinado. A policia é uma instituição preventiva, agindo com o seu poder de intimidação, e o Dr. Guillaume e o Dr. Baker chegaram, em Stockolmo, ás conclusões de que uma boa policia tem mais força que o codigo penal e mais influencia que a prisão.

A nossa policia é o contrario. Para que a detenção de resultados faz-se o necessario seja conforme ao fim predominante da pena, com o firme desejo de reformar e erguer a moral do culpado. Que fazemos nós? Agarramos uma criança de quatorze annos porque deu um cascudo no vizinho, e calma, indiferente, cinicamente, começamos a levantar a moral desse petiz dando-lhe como companheiros, durante os dias de uma detenção pouco séria, o Velhino, punguista conhecido, o Bexiga Fraga, batedor de carteira, e um punhado de desordeiros da Saude!

A principio tomei-lhes os nomes: Manuel Fernandes, Antonio Oliveira, Francisco Queiroz, Martins, Francisco Visconti, Antonio Gomes...

Mas era inutil. Para que, si o crime está na propria organisação da policia? Está marcado! E eu ia deixar esse canto do jardim sinistro quando vi uma pobre criancinha, magra, encostada á parede, o olhar já a se encher de sombra.

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Tinha quatorze annos e era acusado de crime de morte. Fôra por acaso, o outro dissera-lhe um palavrão... Quem sabe lá?

Talvez fosse. E, cheio de piedade, perguntei: Vamos lá, diga o que o menino quer. Prometo dar.

Eu? Ah! os outros são máos... são valentes sim, senhor... metem raiva á gente... Até têm armas escondidas! A gente tem que se defender... Eu tinha vontade... de uma faca...

E cobriu o rosto com as mãos tremulas.

O dia das visitas

A força de policia é augmentada. Quatro ou cinco guardas contêm a multidão ao lado do porteiro, que distribue os cartões. A onda dos visitantes cresce a cada momento, impaciente e tumultuosa. São 11 horas da manhã. O sol queima. Ha no ar uma poeira sufocadora. O saguão está cheio, a calçada está cheia. Do outro lado da rua, doceiros, homens de refrescos, vendedores de frutas estabeleceram as caixas e as latas e mercadejam em alta

VOZ

Nas soleiras das portas, mulheres gordas á espera, criancinhas choramingas têm o semblante desolado e triste, mas ha tambem sujeitos alegres, peralvilhos de calça balão mastigando tangerinas e rindo; ha curiosos olhando a scena, como no espectaculo, e soldados, soldados da brigada, que

passeiam gingando, com os tacões altos e o kepi do lado, por cima da pastinha; dous turcos vendem imagens de santos, botões, canivetes e phosphoros; um italiano, que finge de cégo, instala o realejo, e o filho começa a remoer velhos trechos de opera, dolorosamente angustiosos. De vez em quando passa uma carroça ou um enterro, alastrando a rua de poeira. Mais ao longe, trabalham os condemnados da Correcção na nova fachada, e cada passo que algum delles dá é logo acompanhado por dous policiaes de carabinas embaladas.

O sol é esmagador, pesa como chumbo. Todos esses semblantes têm qualquer cousa de revoltado e de timido, de desafio e medo. Percebe-se o terror das pessoas importantes e o desejo secreto de apedrejal-as, essa mistura antagonica que faz o respeito da ralé.

A' porta da Detenção, o movimento torna-se cada vez mais dificil e o rumor cresce. Vista de fóra, na semi-sombra, a multidão tem um aspecto estranho e uniforme, parece um quadro violentamente espatulado pela mesma mão delirante. Os olhos raiados de sangue, alegres ou chorosos, têm um mesmo desejo entrar; os corpos, corpos de mulheres, frageis corpos de crianças, corpos musculosos de homens, uma só vontade forçar a entrada; e todos os gestos, lentos, dificultosos, presos em encontrões de rancor, exprimem o mesmo anhelo, que é o de entrar.

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Ha pragas, phrases violentas, mãos que se agarram ás roupas de outros, interjeições furiosas; e de dentro, do misterio do pateo da prisão, vem um

clamor formidavel e indistincto, que aquece e fustiga ainda mais o desejo de entrar e de ver. O porteiro, um senhor velho de cavaignac branco, distribue os cartões irritado e a suar.

Não deixem passar sem cartão! Não entra ninguem sem cartão!

E os cartões, sebentos, passam das mãos dos guardas para as mãos sofregas dos visitantes, emquanto na porta de ferro, desesperadamente, os que os obtiveram antes procuram entrar todos a um tempo. Um cheiro especial, mixto de fartum de negros e de perfumes baratos, de suores de mulheres e de roupa suja, enerva, dá-nos visões de pesadelo, crispações de raiva.

Dentro, o pateo está limpo de serventes. Das janellas da secretaria, alguns funcionarios deitam olhares distrahidos. Duas filas de creaturas parece ligarem a porta de ferro aos dous portões das galerias. E nessas galerias o espectaculo é medonho. Dias antes, os presos contam as horas, á espera desse instante. Uns querem matar saudades, outros contam com os amigos para mandar vender as suas obras, - flôres de pão, couraçados de páo; outros escreveram toda a noite cartas anonimas ao chefe de policia, denunciando companheiros ou inimigos, e anceiam por alguem para as pôr no correio; e todos, absolutamente todos, acicateados pelo egoismo, esperam os presentes, o fumo, o dinheiro, as prendas, como uma obrigação dos que os vão ver. Os dous portões fecham-se antes de se abrirem os cubiculos, e no corredor da grande galeria é um alarido, um

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