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Juntamos em um corpo os apotegmas ou sentenças espalhadas pelo poema, para fazermos conhecer a elevada e sã philosophia do poeta, chegando alguns a converterem-se em proverbio. Usavam os antigos editores dos classicos marcar estas sentenças dos auctores que editavam, notando-as com typo differente; não lhe seguimos o exemplo, não só porque nos pareceu que prejudicava a belleza typographica, mas porque assim estão mais á mão de consultar.

Emquanto ás estampas que acompanham este volume, preferimos que ellas tirassem antes o seu interesse da parte historica correlativa ás personagens que figuram no poema, e ao seu assumpto principal, do que fossem obra de pura imaginação.

O retrato de Vasco da Gama é copiado de um bello quadro que pertenceu á casa dos condes da Vidigueira, hoje marquezes de Niza, descendentes e representantes do grande descobridor da India; tem sido até agora attribuido a Antonio Moor; porém mr. Robinson, auctor da Memoria sobre a antiga escola de pintura em Portugal, he attribue outro auctor. Este quadro foi passado á gravura pelo sr. Joaquim Pedro de Sousa, lente de gravura da academia real de bellas artes, com a sua reconhecida habilidade artistica.

Os bustos de Vasco da Gama e de seus companheiros, a saber, Paulo da Gama, seu irmão, e Nicolau Coelho, até agora desconhecidos e occultos nos Lusiadas de pedra e cal, no grandioso claustro do magestoso templo de Belem, passados á estampa n'este livro, poderão d'ora avante fazer nova derrota até onde elle chegar, levando as effigies venerandas d'esses ousados argonautas, que com a sua aventurosa Odyssea patentearam o mundo desconhecido á Europa, e reproduzidos ornar os gabinetes dos curiosos e museus publicos, passados á tela, ao bronze

TOM. VI

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ou á pedra. São quatro estes bustos, e estão collocados na parte interna da parede do claustro e de uma maneira engenhosa. Os tres bustos dos navegadores da India estão voltados para um sol indicando o Oriente, e o de Pedro Alvares Cabral para o poente. É sabido que no antigo palacio dos vice-reis da India em Goa existiam duas espaçosas salas, nas quaes em uma se viam os retratos de todos os vice-reis e governadores em corpo inteiro, e na outra, por ordem chronologica, quadros representando as frotas que tinham ido á India, com os nomes dos seus capitães, começando pela de Vasco da Gama 1. A primeira sala ainda existe, e se vê ornada com os retratos que se acham reproduzidos nas Lendas da India, de Gaspar Correia, e no manuscripto da bibliotheca imperial de París, de Pedro Barreto de Resende, de que fez tirar uma copia o primeiro duque de Palmella.

Dos quadros que representavam as armadas tinham-se perdido todos os vestigios; graças porém á generosa condescendencia do nosso respeitavel amigo o sr. Francisco Bertrand podémos extrahir de um importante manuscripto do seculo XVI, que possue, uma aguarella contemporanea reproduzindo a armada de Vasco da Gama copia d'aquelles quadros antigos, que apresentâmos á curiosidade publica de nacionaes e estrangeiros como interessante specimen de archeologia nautica nacional, e como saudoso emblema das nossas glorias passadas 2. Minha sobrinha,

10 padre João dos Santos na sua Ethiopia oriental faz menção d'esta sala por esta fórma: «Na primeira sala dos paços dos vice-reis estão todas as armadas e frotas que passaram de Portugal á India, pintadas em paineis, com todas suas naus e caravellas, e nomes dos capitães que n'ellas foram: cousa certa mui curiosa.» Liv. Iv, cap. 3.o, pag. 88. Descreve doze paineis incluindo este de Vasco da Gama. 2 Este curioso manuscripto tem na lombada por titulo «Cousas raras da India». Não tem rosto e começa com uma relação dos vice-reis e governadores da

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a ex.ma sr. D. Maria José de Azevedo Coutinho, teve a amabilidade de se me offerecer a copiar esta aguarella, trabalho, aliás difficil, que executou primorosamente, sendo depois reproduzida com esmero na lithographia da imprensa nacional.

O gosto desenvolvido geralmente na Europa pelos autographos e fac-similes nos aconselhou a reunir os fac-similes dos homens mais notaveis que figuram no poema, e que principalmente fóra de Portugal são desconhecidos; a estes juntamos o do rei de Calicut, que encontrámos em um documento do anno de 1503 existente no archivo nacional.

Desejariamos dar aqui n'este volume, e assim o tencionavamos, o retrato de D. Ignez de Castro tirado da sua campa; porém para não demorar mais a publicação, nos reservamos a da-lo no seguinte e ultimo, quando tratarmos da sua vida commentando o episodio do poema.

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A respeito da execução typographica do presente volume é ocioso dizer cousa alguma sobre aquillo que está á vista de todos; e quem conhece os distinctos serviços que o ex. sr. conselheiro Firmo Augusto Pereira Marécos tem feito, em geral, á arte typographica em Portugal, e o grau de aperfeiçoamento a que tem elevado o estabelecimento nacional, póde avaliar qual seria o seu empenho como distincto cultor das letras e admira

India até o vice-rei D. Constantino de Bragança e o anno de 1558, e no verso da folha comprehende o conde de Redondo e D. João de Mendonça até 1564, porém por letra differente. A fl. 23 traz o seguinte titulo: «Este livro é de Lizuarte de Abreu que o mandou fazer». Mais abaixo declara que o livro fôra feito na nau Rainha no anno de 1558 em que ia D. Constantino para a India. Comprehende mais algumas noticias sobre a questão de Lopo Vaz de Sampaio e sobre outros governadores, a derrota da nau Rainha para a India, a expedição de D. Constantino para Damão, uma descripção da India, e as aguarellas contendo os retratos dos vice-reis até D. Constantino e as armadas até á mesma epocha.

dor do poeta, para que a parte artistica saísse digna do auctor novamente editado.

Emquanto a nós, apesar do zelo e melhor vontade, confessâmo-nos artifice pouco adextrado para tão vasta machina, por isso pedimos desculpa ao leitor das imperfeições que encontrar; contamos com a sua indulgencia, por isso não temos duvida em affrontar quaesquer criticas descortezes ou acintosas.

Finge um poeta italiano (Bocalini) que Apollo entregára a um critico um feixe de trigo para extremar o trigo da palha, e que feita a escolha o deus da poesia guardára para si o trigo e dera a palha ao critico. Oxalá que n'este nosso trabalho aconteça o inverso, porque gostosamente faremos sacrificio da nossa tal ou qual reputação litteraria, para que a fama do pocta cresça sempre com virentes louros cultivados por mãos mais habeis. O critico mais severo de nós mesmos, somos nós; e nescio é aquelle que o não é. O nosce te ipsum é o moto que deve acompanhar sempre todo o escriptor que não quer tropeçar; a critica intima e pessoal é a consciencia da verdade, que nos adverte antes que os outros o façam. Mas a timidez não nos deve acobardar ao ponto de receiar a critica não polida e injusta dos despotas litterarios, que se enthronisam a si proprios na elevação do throno onde os incensam os compadres com os seus thuribulos, d'onde fumega o incenso partidario ou da camaradagem. Não tenha pois duvida o pobre auctor em soffrer resignado o raio que despedem estes Jupiters tonantes, contra quem não sujeita a sua consciencia politica ou litteraria á omnipotencia da sua vontade omnisciente e soberana, lembrando-se que a luz com que assombram e fulminam é estopa. queimada, o rebombo com que atroam umas balas que rolam no pavimento. A litteratura não conhece senhores feudaes, er

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gue bandeira de independencia; quebra todas as cadeias, embora as queiram dourar com enganoso artificio. E se o escriptor tem a ousadia de se pronunciar catholico! de usar da hermeneutica para avaliar os factos pelo que são, á vista da imparcialidade historica, sem os sujeitar ao romance e á mentira para crear, nutrir e propagar a anarchia religiosa e politica! então crucifige eum. Porém se sujeita servilmente a sua opinião aos sediços themas impostos, e aos palavrões sonoros já bem conhecidos, tolluntur ad astra.

Isto emquanto á critica injusta, acintosa e descortez, porque a polida e feita com o simples pensamento de advertir o auctor, deve ser agradecida, como quem avisa um cego que vae caír em um precipicio; por isso se a vida nos não faltar, e nos der tempo para publicar o ultimo volume d'este nosso já cansado trabalho, teremos a corrigir em parte e a agradecer as correcções e advertencias que nos tenham sido feitas urbanamente, e com o fim de nos esclarecer.

No primeiro volume advertimos o que a todos era já conhecido, que a vida do pocta assentava quasi sempre em conjecturas, o que não era para admirar, quando se perderam trabalhos biographicos contemporaneos, e aquelles de nossos conterraneos que se approximaram da epocha em que o grande epico viveu foram tão omissos em procurar esclarecimentos de homens que ainda o conheceram.

No entanto quem com imparcialidade e indulgencia quizer julgar estas nossas, embora imperfeitas, mas trabalhosas investigações. será forçado a declarar que deixámos assentados novos factos biographicos com documentos officiaes, e que nas conjecturas procurámos achega-las á proximidade da verdade, as quaes se devem confirmar ou reformar conforme appareçam

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