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XXI

Esta he a ditosa patria minha amada;
Á qual se o Ceo me dá, que eu sem perigo
Torne, com esta empreza já acabada,
Acabe-se esta luz ali commigo.
Esta foi Lusitania, derivada

De Luso, ou Lysa, que de Baccho antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nella então os incolas primeiros.

XXII

Desta o Pastor nasceo, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve;
Cuja fama ninguem virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.
Esta, o velho que os filhos proprios come,
Por decreto do Ceo, ligeiro e leve,

Veio a fazer no mundo tanta parte,
Creando-a reino illustre; e foi desta arte.

XXIII

Hum Rei, por nome Affonso, foi na Hespanha,
Que fez aos Sarracenos tanta guerra,
Que por armas sanguinas, força e manha,
A muitos fez perder a vida e a terra.
Voando deste Rei a fama estranha,
Do Herculano Calpe á Caspia serra,
Muitos, para na guerra esclarecer-se,
Vinham a elle e á morte offerecer-se.

XXIV

E c'hum amor intrinseco accendidos

Da Fé, mais que das honras populares,
Eram de varias terras conduzidos,

Deixando a patria amada e proprios lares.
Despois que em feitos altos e subidos
Se mostraram nas armas singulares,
Quiz o famoso Affonso, que obras taes
Levassem premio digno e dões iguaes.

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XXV

Destes Henrique, dizem que segundo
Filho de hum Rei de Hungria exp'rimentado,

Portugal houve em sorte, que no mundo

Então não era illustre nem prezado:

E,

para mais sinal d'amor profundo, Quiz o Rei Castelhano, que casado Com Teresa, sua filha, o Conde fosse; E com ella das terras tomou posse.

XXVI

Este, despois que contra os descendentes
Da escrava Agar victorias grandes teve,
Ganhando muitas terras adjacentes,
Fazendo o que a seu forte peito deve;
Em premio destes feitos excellentes,
Deo-lhe o supremo Deos em tempo breve
Hum filho, que illustrasse o nome ufano
Do bellicoso reino Lusitano.

XXVII

Já tinha vindo Henrique da conquista
Da cidade Hierosolyma sagrada,

E do Jordão a areia tinha vista,

Que vio de Deos a carne em si lavada;
Que não tendo Gothfredo a quem resista,
Despois de ter Judea subjugada,

Muitos que nestas guerras o ajudaram,
Para seus senhorios se tornaram.

XXVIII

Quando chegado ao fim de sua idade,
O forte e famoso Hungaro extremado,
Forçado da fatal necessidade,

O esp❜rito deo a quem lho tinha dado:
Ficava o filho em tenra mocidade,
Em quem o pai deixava seu traslado,
Que do mundo os mais fortes igualava,
Que de tal pai tal filho se esperava.

XXIX

Mas o velho rumor, não sei se errado,
(Que em tanta antiguidade não ha certeza)
Conta que a mãi, tomando todo o Estado,
Do segundo hymeneo não se despreza:
O filho orphão deixava desherdado,
Dizendo, que nas terras a grandeza
Do senhorio todo só sua era,
Porque para casar seu pai lhas dera.

XXX

Mas o Principe Affonso (que desta arte
Se chamava, do avô tomando o nome)
Vendo-se em suas terras não ter parte,
Que a mãi com seu marido as manda e come;
Fervendo-lhe no peito o duro Marte,
Imagina comsigo como as tome:
Revolvidas as causas no conceito,
Ao proposito firme segue o effeito.

XXXI

De Guimarães o campo se tingia
Co'o sangue proprio da intestina guerra,
Onde a mãi, que tão pouco o parecia,

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A seu filho negava o amor e a terra.
Com elle posta em campo já se via;
E não vê a soberba o muito que erra
Contra Deos, contra o maternal amor:
Mas nella o sensual era maior.

XXXII

Ó Progne crua! ó magica Medea!
Se em vossos proprios filhos vos vingais
Da maldade dos pais, da culpa alhea,
Olhai que inda Teresa ресса mais.

Incontinencia má, cobiça fea
São as causas deste erro principais:
Scylla, por huma, mata o velho pai,
Esta, por ambas. contra o filho vai.

XXXIII

Mas já o Principe claro o vencimento
Do padrasto e da iniqua mãi levava;
Já lhe obedece a terra n'hum momento,
Que primeiro contra elle pelejava:
Porém, vencido de ira o entendimento,
A mãi em ferros asperos atava:

Mas de Deos foi vingada em tempo breve:
Tanta veneração aos pais se deve!

XXXIV

Eis se ajunta o soberbo Castelhano,
Para vingar a injuria de Teresa,
Contra o tão raro em gente Lusitano,
A quem nenhum trabalho aggrava ou pesa.
Em batalha cruel o peito humano,
Ajudado da angelica defesa,

Não só contra tal furia se sustenta,

Mas o inimigo asperrimo afugenta.

XXXV

Não passa muito tempo, quando o forte
Principe em Guimarães está cercado
De infinito poder, que desta sorte
Foi refazer-se o imigo magoado:
Mas, com se offerecer á dura morte
O fiel Egas amo, foi livrado;
Que de outra arte podera ser perdido,
Segundo estava mal apercebido.

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