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CXI

E não menos co'o tempo se parece
O desejo de ouvir-te o que contares;
Que quem ha, que por fama não conhece
As obras portuguezas singulares?
Não tanto desviado resplandece
De nós o claro Sol, para julgares

Que os Melindanos tem tão rudo peito,
Que não estimem muito hum grande feito.

CXII

Commetteram soberbos os Gigantes
Com guerra vă o Olympo claro e puro:
Tentou Pirithoo e Thésco, de ignorantes,
O reino de Plutão, horrendo e escuro:
Se houve feitos no mundo tão possantes,
Não menos he trabalho illustre e duro,
Quanto foi commetter inferno, e ceo,
Que outrem commetta a furia de Nereo.

CXIII

Queimou o sagrado templo de Diana,
Do subtil Ctesiphonio fabricado,
Herostrato, por ser da gente humana
Conhecido no mundo e nomeado:
Se tambem com taes obras nos engana
O desejo de hum nome avantajado,
Mais razão ha, que queira eterna gloria,
Quem faz obras tão dignas de memoria.

OS LUSIADAS

CANTO TERCEIRO

OS LUSIADAS

CANTO TERCEIRO

I

Agora tu, Calliope, me ensina

0 que contou ao Rei o illustre Gama:
Inspira immortal canto e voz divina
Neste peito mortal, que tanto te ama.
Assi o claro inventor da medicina,
De quem Orpheo pariste, ó linda dama,
Nunca por Daphne, Clycie, ou Leucothoe,
Te negue o amor devido, como soe.

II

Põe tu, Nympha, em effeito meu desejo,
Como merece a gente Lusitana;
Que veja e saiba o mundo, que do Tejo
O licor de Aganippe corre e mana.
Deixa as flores do Pindo, que já vejo
Banhar-me Apollo na agua soberana;
Senão direi, que tens algum receio,
Que se escureça o teu querido Orpheio.

TOM. VI

III

Promptos estavam todos escuitando
O que o sublime Gama contaria;

Quando, despois de hum pouco estar cuidando,
Alevantando o rosto, assi dizia:

Mandas-me, ó Rei, que conte declarando
De minha gente a grão genealogia:

Não me mandas contar estranha historia,
Mas mandas-me louvar dos meus a gloria.

IV

Que outrem possa louvar esforço alheio,
Cousa he que se costuma e se deseja;
Mas louvar os meus proprios, arreceio
Que louvor tão suspeito mal me esteja;
para dizer tudo, temo e creio
Que qualquer longo tempo curto seja:
Mas pois o mandas, tudo se te deve;
Irei contra o que devo, e serei breve.

E

V

Alem disso, o que a tudo em fim me obriga.

He não poder mentir no que disser,

Porque de feitos taes, por mais

que diga,

Mais me ha de ficar inda

por dizer:

Mas, porque nisto a ordem leve e siga,

Segundo o que desejas de saber,
Primeiro tratarei da larga terra,
Despois direi da sanguinosa guerra.

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