E não menos co'o tempo se parece O desejo de ouvir-te o que contares; Que quem ha, que por fama não conhece As obras portuguezas singulares? Não tanto desviado resplandece De nós o claro Sol, para julgares
Que os Melindanos tem tão rudo peito, Que não estimem muito hum grande feito.
Commetteram soberbos os Gigantes Com guerra vă o Olympo claro e puro: Tentou Pirithoo e Thésco, de ignorantes, O reino de Plutão, horrendo e escuro: Se houve feitos no mundo tão possantes, Não menos he trabalho illustre e duro, Quanto foi commetter inferno, e ceo, Que outrem commetta a furia de Nereo.
Queimou o sagrado templo de Diana, Do subtil Ctesiphonio fabricado, Herostrato, por ser da gente humana Conhecido no mundo e nomeado: Se tambem com taes obras nos engana O desejo de hum nome avantajado, Mais razão ha, que queira eterna gloria, Quem faz obras tão dignas de memoria.
Agora tu, Calliope, me ensina
0 que contou ao Rei o illustre Gama: Inspira immortal canto e voz divina Neste peito mortal, que tanto te ama. Assi o claro inventor da medicina, De quem Orpheo pariste, ó linda dama, Nunca por Daphne, Clycie, ou Leucothoe, Te negue o amor devido, como soe.
Põe tu, Nympha, em effeito meu desejo, Como merece a gente Lusitana; Que veja e saiba o mundo, que do Tejo O licor de Aganippe corre e mana. Deixa as flores do Pindo, que já vejo Banhar-me Apollo na agua soberana; Senão direi, que tens algum receio, Que se escureça o teu querido Orpheio.
Promptos estavam todos escuitando O que o sublime Gama contaria;
Quando, despois de hum pouco estar cuidando, Alevantando o rosto, assi dizia:
Mandas-me, ó Rei, que conte declarando De minha gente a grão genealogia:
Não me mandas contar estranha historia, Mas mandas-me louvar dos meus a gloria.
Que outrem possa louvar esforço alheio, Cousa he que se costuma e se deseja; Mas louvar os meus proprios, arreceio Que louvor tão suspeito mal me esteja; para dizer tudo, temo e creio Que qualquer longo tempo curto seja: Mas pois o mandas, tudo se te deve; Irei contra o que devo, e serei breve.
Alem disso, o que a tudo em fim me obriga.
He não poder mentir no que disser,
Porque de feitos taes, por mais
Mas, porque nisto a ordem leve e siga,
Segundo o que desejas de saber, Primeiro tratarei da larga terra, Despois direi da sanguinosa guerra.
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