E em quanto eu estes canto, e a vós não posso, Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, · Tomai as redeas vós do reino vosso,
Dareis materia a nunca ouvido canto: Comecem a sentir o peso grosso (Que pelo mundo todo faça espanto) De exercitos, e feitos singulares,
De Africa as terras, e do Oriente os mares.
Em vós os olhos tem o Mouro frio, Em quem vê seu exicio afigurado: Só com vos ver o barbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Tethys todo o ceruleo senhorio Tem para vós por dote apparelhado; Que affeiçoada ao gesto bello e tenro, Deseja de comprar-vos para genro.
Em vós se vem da Olympica morada Dos dous Avós as almas cá famosas; Huma na paz angelica dourada, Outra pelas batalhas sanguinosas: Em vós esperam ver-se renovada Sua memoria e obras valerosas: E lá vos tem lugar no fim da idade, No templo da suprema eternidade.
Mas em quanto este tempo passa lento De regerdes os povos, que o desejam; Dai vós favor ao novo atrevimento, Para que estes meus versos vossos sejam: E vereis ir cortando o salso argento Os vossos Argonautas; porque vejam Que são vistos de vós no mar irado: E costumai-vos já a ser invocado.
Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naos as velas concavas inchando: Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As maritimas aguas consagradas, Que do gado de Próteo são cortadas.
Quando os deoses no Olympo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em concilio glorioso, Sobre as cousas futuras do Oriente: Pizando o crystallino ceo formoso, Vem pela Via Láctea juntamente, Convocados da parte do Tonante, Pelo neto gentil do velho Atlante.
Deixam dos sete ceos o regimento, Que do poder mais alto lhe foi dado; Alto poder, que só co'o pensamento Governa o ceo, a terra, e o mar irado: Ali se acharam juntos n'hum momento que habitam o Arcturo congelado, E os que o Austro tem, e as partes onde A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.
Estava o Padre ali sublime e dino, Que vibra os feros raios de Vulcano, N'hum assento de estrellas crystallino, Com gesto alto, severo e soberano: Do rosto respirava hum ar divino, Que divino tornara hum corpo humano, Com huma coroa e sceptro rutilante De outra pedra mais clara que diamante.
Em luzentes assentos, marchetados
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam Os outros deoses todos assentados, Como a razão e a ordem concertavam: Precedem os antiguos mais honrados; Mais abaixo os menores se assentavam: Quando Jupiter alto assi dizendo
C'hum tom de voz começa, grave e horrendo:
Eternos moradores do luzente
Estellifero polo e claro assento,
Se do grande valor da forte gente De Luso não perdeis o pensamento, Deveis de ter sabido claramente, Como he dos fados grandes certo intento, Que por ella se esqueçam os humanos De Assyrios, Persas, Gregos e Romanos.
Já lhe foi, bem o vistes, concedido C'hum poder tão singelo e tão pequeno, Tomar ao Mouro forte e guarnecido Toda a terra, que rega o Tejo ameno: Pois contra o Castelhano tão temido, Sempre alcançou favor do Ceo sereno: Assi que sempre em fim com fama e gloria Teve os tropheos pendentes da victoria.
Deixo, deoses, atraz a fama antiga, Que co'a gente de Romulo alcançaram,
Quando com Viriato, na inimiga
Guerra romana tanto se afamaram: Tambem deixo a memoria, que os obriga A grande nome, quando alevantaram Hum por seu capitão, que peregrino Fingio na Cerva espirito divino.
Agora vedes bem, que commettendo O duvidoso mar n'hum lenho leve, Por vias nunca usadas, não temendo
De Africo, e Noto a força, a mais se atreve: Que havendo tanto já que as partes vendo, Onde o dia he comprido, e onde breve, Inclinam seu proposito e porfia,
A ver os berços onde nasce o dia.
Promettido lhe está do Fado eterno, Cuja alta lei não pode ser quebrada, Que tenham longos tempos o governo Do mar, que vê do Sol a roxa entrada: Nas aguas tem passado o duro inverno; A gente vem perdida e trabalhada; Já parece bem feito, que lhe seja Mostrada a nova terra, que deseja.
porque, como vistes, tem passados Na viagem tão asperos perigos, Tantos climas e ceos exp'rimentados, Tanto furor de ventos inimigos; Que sejam, determino, agasalhados Nesta costa Africana, como amigos; E tendo guarnecida a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa rota.
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