Imagens da página
PDF
ePub

LI

Goa vereis aos Mouros ser tomada.
A qual virá despois a ser senhora
De todo o Oriente, e sublimada
Co'os triumphos da gente vencedora:
Ali soberba, altiva e exalçada,
Ao gentio, que os idolos adora,
Duro freio porá, e a toda a terra
Que cuidar de fazer aos vossos guerra.

LII

Vereis a fortaleza sustentar-se

De Cananor, com pouca força e gente:
E vereis Calecut desbaratar-se,
Cidade populosa, e tão potente;
E vereis em Cochim assinalar-se
Tanto hum peito soberbo e insolente,
Que cithara jamais cantou victoria,
Que assi mereça eterno nome e gloria.

LIII

Nunca com Marte instructo e furioso,
Se vio ferver Leucate, quando Augusto
Nas civis Actias guerras animoso,
O capitão venceo Romano injusto,
Que dos povos da Aurora, e do famoso
Nilo, e do Bactra Scythico, e robusto,
A victoria trazia e presa rica,
Preso da Egypcia linda e não pudica:

LIV

Como vereis o mar fervendo acceso
Co'os incendios dos vossos pelejando,
Levando o Idolatra e o Mouro preso,
De nações differentes triumphando.
E sujeita a rica Aurea-Chersoneso,
Até o longinquo China navegando,
E as ilhas mais remotas do Oriente,
Ser-lhe-ha todo o Oceano obediente.

LV

De modo, filha minha, que de geito
Amostrarão esforço mais que humano,
Que nunca se verá tão forte peito,
Do Gangetico mar ao Gaditano;
Nem das Boreaes ondas ao Estreito,
Que mostrou o aggravado Lusitano;
Postoque em todo o mundo, de affrontados,
Resuscitassem todos os passados.

LVI

Como isto disse, manda o consagrado
Filho de Maia á terra, porque tenha
Hum pacifico porto e socegado,
Para onde sem receio a frota venha:

E para que em Mombaça aventurado
O forte Capitão se não detenha,

Lhe manda mais, que em sonhos lhe mostrasse
A terra, onde quieto repousasse.

LVII

Já pelo ar o Cyllenêo voava;
Com as azas nos pés á terra dece;
Sua vara fatal na mão levava,
Com que os olhos cansados adormece:
Com esta, as tristes almas revocava
Do inferno, e o vento lhe obedece:
Na cabeça o galero costumado;
E desta arte a Melinde foi chegado.

LVIII,

Comsigo a Fama leva, porque diga
Do Lusitano o preço grande e raro;
Que o nome illustre a hum certo amor obriga,
E faz a quem o tem amado e charo.
Desta arte vai fazendo a gente amiga,
Co'o rumor famosissimo e preclaro:
Já Melinde em desejos arde todo

De ver da gente forte o gesto e modo.

LIX

D'ali para Mombaça logo parte,
Aonde as naos estayam temerosas,
Para que á gente mande, que se aparte
Da barra imiga e terras suspeitosas:
Porque mui pouco val esforço e arte,
Contra infernaes vontades enganosas:
Pouco val coração, astucia e siso,
Se lá dos Ceos não vem celeste aviso.

LX

Meio caminho a noite tinha andado,
E as estrellas no ceo co'a luz alhea
Tinham o largo mundo alumiado,
E só co'o somno a gente se recrea.
O Capitão illustre, já cansado
De vigiar a noite, que arrecea,
Breve repouso então aos olhos dava:
A outra gente a quartos vigiava.

LXI

apparece,

Quando Mercurio em sonhos lhe
Dizendo: Fuge, fuge, Lusitano,
Da cilada que o Rei malvado tece,
Por te trazer ao fim e extremo dano;
Fuge, que o vento e o Ceo te favorece;
Sereno o tempo tens, e o Oceano,
E outro Rei mais amigo, n'outra parte,
Onde podes seguro agasalhar-te.

LXII

Não tens aqui senão apparelhado
O hospicio, que o cru Diomedes dava,
Fazendo ser manjar acostumado
De cavallos a gente que hospedava:
As aras de Busiris infamado,
Onde os hospedes tristes immolava,
Terás certas aqui, se muito esperas:
Fuge das gentes perfidas e feras.

LXIII

Vai-te ao longo da costa discorrendo,
E outra terra acharás de mais verdade,
Lá quasi junto donde o sol ardendo
Iguala o dia e noite em quantidade:
Ali, tua frota alegre recebendo,

Hum Rei, com muitas obras de amizade,
Gasalhado seguro te daria,

E

para a India certa e sabia guia.

LXIV

Isto Mercurio disse, e o somno leva
Ao Capitão, que com mui grande espanto
Acorda, e vê ferida a escura treva
De huma subita luz e raio santo.
E vendo claro quanto lhe releva
Não se deter na terra iniqua tanto,

Com novo esprito ao mestre seu mandava,

Que as velas désse ao vento que assoprava.

LXV

Dai velas, disse, dai ao largo vento,
Que o Ceo nos favorece, e Deos o manda;
Que hum mensageiro vi do claro assento,
Que só em favor de nossos passos anda.
Alevanta-se nisto o movimento

Dos marinheiros; de huma e de outra banda
Levam, gritando, as ancoras acima,

Mostrando a ruda força, que se estima.

« AnteriorContinuar »