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NOTAS

CANTO I

ESTANCIA I

V. 2 Que da occidental praia Lusitana

O adjectivo occidental = está aqui magistralmente collocado para engrandecer, pela longiquidade do ponto de partida, a grandiosa e arriscada empreza encetada nas remotas praias da Lusitania, pelo pequeno, mas valoroso povo portuguez, e que teve complemento nas contrapostas è afastadas partes do Oriente.

V. 3-Por mares nunca de antes navegados

Não é aqui o logar de tratar se por via do cabo da Boa Esperança nayegámos os primeiros os mares da India; talvez que no seguinte e ultimo volume da presente edição demos maior desenvolvimento a este assumpto.

V. 4-Passaram ainda alem da Taprobana

Está claro que não foi Vasco da Gama, mas os portuguezes. Era proverbial entre os romanos, quando queriam encarecer una cousa muito remota, dizer: Será na Taprobana? porque reputavam que era esta região, que alguns tomavam por Ceylão e outros por Samatra, a meta extrema do mundo pelo lado oriental; e assim, disse Plinio: Sed ne Taprobanæ quidem quamvis extra orbem, a natura relegata nostris vitiis caret, etc.

O que o poeta quer aqui dizer, é que os portuguezes levaram as suas navegações e conquistas alem do mundo conhecido dos antigos, sobrepujando a estes em vantagem.

V. 7.

E entre gente remota edificaram

A conjuncção e, que a 2.a edição dos Lusiadas, por nós seguida, colloca n'este verso, parece-nos que melhor o seria no 5.o

Não achamos rasão ao reparo que fez o erudito traductor castelhano dos Lusiadas, Lamberto Gil, á expressão de edificaram novo reino, porque, diz elle, «os reinos fundam-se, não se edificam».

Que outra cousa é fundar senão edificar da raiz?

Tambem nota de pouco propria a expressão = sublimaram= que quer dizer exaltaram em grau sublime, isto é, superlativamente. E na verdade não se póde negar que os portuguezes erigiram um grande collosso na Asia, que tornou sublime outr'ora e respeitado o seu nome. Em documentos officiaes do seculo XIV, se encontra casa de Portugal, designando o reino e não a dynastia.

Este traductor, aliás respeitavel, fez a transposição dos dois ultimos versos d'esta estancia com os dois últimos da 2.a

ESTANCIA II

V. 3.— A fé, o imperio; e as terras viciosas

Terras viciosas, no sentido de terras embrutecidas pelo sensualismo mahometano, ferocidade dos cafres e idolatria asiatica. Assim o entende no canto x, estancia 92:

Vês Africa, dos bens do mundo avara,
Inculta, e toda cheia de bruteza,

e mais claramente ainda no canto vi, estancia 17:

alguns o vicioso

Mafoma, alguns os idolos adoram,

Alguns os animaes, que entre elles moram.

O celebre padre Fr. Francisco de Santo Agostinho de Macedo, na sua traducção latina dos Lusiadas, tomou o vocabulo viciosos por viçosos; mas sem rasão, porque, embora se diga de uma arvore que tem vicio, porque repartiu a sua seiva em prejuizo do fructo, nunca se diz terras viciosas, no sentido physico e material, mas sim no moral. O logar a que nos referimos é o seguinte:

Libia regionibus altam

Luxuriem rigido placuit compescere ferro.

ESTANCIA III

V. 5-Que eu canto o peito illustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.

Postoque esteja fóra do nosso plano deter-nos sobre a organisação poetica, bellezas ou apologia das criticas, que possam n'esta parte fazer-se ao poeta, porque temos pouco panno para talhar, não deixaremos comtudo de dizer duas palavras sobre a verdadeira base d'este poema, que se funda n'estes dois versos.

São elles a verdadeira preposição da immortal epopeia que nos occupa. Os portentosos feitos dos portuguezes, por terra e por mar, são o verdadeiro assumpto e fundamento do poema, e assim entendido, em cousa alguma pecca contra a unidade; até o bello episodio dos doze pares, que alguns, com pouco gosto poetico, julgam deslocado, se enxerta maravilhosamente no tronco principal do poema, como a expressão do espirito de cavallaria dos portuguezes, a que o poeta quiz com este romanesco canto dar relevo. Que era a intenção do poeta agrupar no seu poema toda a historia nacional e glorias patrias não é duvidoso, porqué quadra com o titulo do poema Os Lusíadas, que traduzido á letra quer dizer: o que respeita aos filhos de Luso, isto é, os portuguezes, e o verso

«Dou-vos tambem aquelle illustre Gama»

o indica, onde o adverbio tambem dá igualmente a entender que canta mais do que o Gama. E com tal arte conduziu o poeta o seu poema, que sendo o assumpto, aliás grandioso, esteril, porquanto não é mais que uma navegação falha de incidentes de batalhas, que tanto ajudam o poeta, pois não podemos dar esse nome ás escaramuças com os africanos e indios, nos interessa com a narrativa da antiga historia nacional, servindo engenhosamente a navegação de Vasco da Gama de poste para pendurar todos os trophéus das glorias patrias, sem que se sinta discordancia no poema.

As duas estancias que precedem esta, e as que seguem desde a x até à XIV, são, segundo o nosso fraco modo de entender, uma bella e altiloqua paraphrase d'esta preposição; são o patriotismo que se vasa em torrentes do coração do poeta: er abundatnia cordis; são a expressão enthusiastica e o exordio magestoso do poeta e cidadão, que quiz mostrar bem que não lhe escapava a minima cousa què podesse dar lustre à sua patria; é, enfim, se nos fosse permittida a metaphora, a symphonia com que abre o maravilhoso canto que ainda soa a despeito do indif

ferentismo nacional.

Os criticos vaidosos ou frios, com o compasso ou ferula na mão, rastejando as suas rotinas, não o sentem. Um poeta, como Camões, deve ser lido antes com o coração do que com os olhos; primeiro que se abra o livro haja quem entôe o sursum corda, e seja a resposta: habemus ad poetam.

ESTANCIA V

V. 1— Dai-me uma furia grande e sonorosa

Furia, entende-se furor poetico, enthusiasmo, e n'este sentido o usaram outros poetas; no entanto esta expressão parece que foi mettida a ridiculo por um poeta classico contemporaneo de Camões.

Muito póde a inveja!

V. 6- Gente vossa, a que Marte tanto ajuda

=

As duas primeiras edições lêem que a Marte; porém pareceu-nos que a preposição a devia ser anteposta por esta fórma: =a que Marte, e assim o fizemos, seguindo a Manuel Correia, na edição de 1613, e ao editor da de 1651.

ESTANCIA XX

V. 7 — Convocados da parte do Tonante

As duas primeiras edições trazem ambas de Tonante, mas é manifestamente erro typographico, pois o poeta falla aqui, por antonomasia, de Jupiter. Emendamos do Tonante, seguindo a edição de 1651 e outras de boa nota, ou antes ao poeta, que assim o entendeu na estancia XLI do canto II, v. 8:

Lhe atalha o poderoso e grão Tonante

e na estancia LXXVIII do canto vi, v. 5:

Nem tanto o grão Tonante arremessou

Veja-se a carta de mr. Mably á academia real das sciencias, e a edição de 1843 de Freire de Carvalho.

ESTANCIA XLVII

V. 6-Por armas tem adargas e terçados

Adagas lê o original, porém emendamos adargas, com o proprio Camões, que assim o entendeu n'estes dois versos das estancias LXXXVI e LXXXVII d'este mesmo canto:

Um de escudo embraçado e de azagaia

Com adarga e co'a hastea perigosa

Adaga é arma offensiva, adarga defensiva. Armados d'estas duas armas pinta o poeta os povos de Moçambique, e do mesmo modo os historiadores da India. Obispo Jeronymo Osorio na Vida de El-Rei D. Manuel os descreve por esta fór

ma:

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Erant præterea aduncis gladiis accenti, parmasque brachiis insertas stabant.»

Damião de Goes chama porém adagas aos escudos que traziam estes mouros de Moçambique, mas parece erro de typographia:

«E terçados Mouriscos cingidos com adagas nos braços.>>

Este, a nosso ver, erro fez com que tambem errasse o critico Ignacio Garcez.

ESTANCIA LIV

V. 4-De Quiloa, de Mombaça e de Sofala

Quiloa, com accento na primeira syllaba. Assim queria o poeta que se pronunciasse, porque assim vem accentuada nas duas primeiras edições e nas tres immediatas de 1584, 1591 e 1597, no verso 8 da estancia XCIX d'este mesmo canto, por esta fórma: Quiloa.

Na inscripção da preciosa e bella custodia de Belem vem escripta esta palavra com v, Quilva, o que mostra que se pronunciava d'esta maneira.

ESTANCIA LX

V. 8-0 imperio tomárão a Constantino

Parece que seria melhor construcção grammatical:

O imperio tomar a Constantino

Isto é, aquellas gentes inhumanas vieram conquistar as terras africanas, e vieram tomar o imperio a Constantino.

ESTANCIA LXIX

V. 5- Nas mostras e no gesto o não mostrou

Talvez ficaria melhor para evitar a repetição de mostras e mostrou:

Emendariamos:

Nas fallas e no gesto o não mostrou.

ESTANCIA LXX

V. 3-Diz-lhe que o largo premio levarão

Diz-lhe que largo premio levarão

pois o poeta o que quer dizer é que serão generosamente galardoados, sem designação de premio, e assim tambem tinha emendado a edição de Manuel Correia, de 1613.

ESTANCIA LXXI

V. 5-Oh! segredos d'aquella Eternidade

As duas primeiras edições trazem = Os segredos

mas é erro patente. A ver

dadeira lição é · Oh segredos=, e assim o tinha já emendado a edição de 1597, e a de 1631.

ESTANCIA LXXXII

V. 2 O Mouro nos taes casos sabio e velho

Alguns editores e até commentadores tomaram verbo acabou quando não é, mas sim Bacho.

ESTANCIA LXXXIII

Mouro como agente do

V. 8- Vá cahir donde nunca se alevante.

Onde = lèem as duas primeiras edições, mas parece erro; deverá ler-se:

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= donde =,

e assim emendámos, e já antes de nós o tinham feito os editores da

edição de 1651 e da rollandiana de 1843.

ESTANCIA LXXXIV

V. 3-Quando o Gama co'os seus determinava

As edições primordiaes trazem = Quando Gama=. Adoptámos a emenda o Gama feita pelo editor da edição rollandiana, de 1843, pelas rasões por elle expendidas, emenda que já antes tinha feito Ignacio Garcez Ferreira.

ESTANCIA LXXXVI

V. 6-Outros muitos já postos em cillada

Em callada - traz a edição de 1597.

ESTANCIA XCIX

V. 4-Gente que segue o torpe Mafamede

Mahamede trazem as duas primeiras edições e a de 1597.

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V. 8.-Quiloa mui conhecida pela fama

Quiloa, com accento na primeira syllaba. Vide nota ao verso 4 da estancia LIV d'este mesmo canto.

CANTO II

ESTANCIA XIII

V. 8-Da moça de Titão a rouxa fronte

As duas primeiras edições e a de 1613 lêem Na moça

; é porém erro evidente. A verdadeira lição é -Da moça de Titão, e assim já foi emendado por alguns editores dignos de respeito; o contrario seria um absurdo.

ESTANCIA XX

V. 3-Cloto c'o peito corta e atravessa

Assim trazem as duas primeiras edições; adoptámos a emenda do morgado de Matheus: Doto= em logar de

Cloto=.

ESTANCIA XXIV

V. 7-Os estava hum maritimo penedo.

Os contemporaneos criticos de Camões o censuravam por ter usado a expressão de maritimo penedo=. Manuel Correia defende-o, dizendo que o adjectivo = maritimo= na lingua latina, significa o que está ao longo do mar ou dentro d'elle.

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