Nos hombros de hum Tritão, com gesto acceso,
Vai a linda Dione furiosa;
Não sente quem a leva o doce peso, De soberbo com carga tão formosa: Já chegam perto donde o vento teso Enche as velas da frota bellicosa: Repartem-se, e rodeam nesse instante. As naos ligeiras, que hiam por diante.
Põe-se a deosa com outras em direito Da proa capitaina, e ali fechando O caminho da barra, estão de geito, Que em vão assopra o vento, a vela inchando: Põe no madeiro duro o brando peito, Para detraz a forte nao forçando: Outras em derredor levando-a estavam,
E da barra inimiga a desviavam.
Quaes para a cova as próvidas formigas, Levando o peso grande accommodado, As forças exercitam, de inimigas Do inimigo inverno congelado: Ali são seus trabalhos e fadigas, Ali mostram vigor nunca esperado: Taes andavam as nymphas estorvando
gente Portugueza o fim nefando.
Torna para detraz a nao forçada, A pezar dos que leva, que gritando Maream velas, ferve a gente irada,
O leme a hum bordo, e a outro atravessando: O mestre astuto em vão da popa brada, Vendo como diante ameaçando
Os estava hum maritimo penedo,
Que de quebrar-lhe a nao lhe mette medo.
A celeuma medonha se alevanta No rudo marinheiro que trabalha:
O grande estrondo a Maura gente espanta, Como se vissem horrida batalha:
Não sabem a razão de furia tanta; Não sabem nesta pressa quem lhe valha; Cuidam que seus enganos são sabidos, E que hão de ser por isso aqui punidos.
Ei-los subitamente se lançavam A seus bateis veloces que traziam: Outros em cima o mar alevantavam, Saltando n'agua, a nado se acolhiam: De hum bordo e d'outro subito saltavam, Que o medo os compellia do que viam; Que antes querem ao mar aventurar-se, Que nas mãos inimigas entregar-se.
Assi como em selvatica alagoa As rãas, no tempo antiguo Lycia gente, Se sentem porventura vir pessoa, Estando fóra da agua incautamente, D'aqui e d'ali saltando, o charco soa, Por fugir do perigo que se sente; E acolhendo-se ao couto que conhecem, Sós as cabeças na agua lhe
Assi fogem os Mouros; e o piloto, Que ao perigo grande as naos guiara, Crendo que seu engano estava noto, Tambem foge, saltando na agua amara. Mas por não darem no penedo immoto, Onde percam a vida doce e chara. A ancora solta logo a capitaina, Qualquer das outras junto della amaina.
Vendo o Gama, attentado, a estranheza Dos Mouros, não cuidada, e juntamente O piloto fugir-lhe com presteza, Entende o que ordenava a bruta gente: E vendo sem contraste, e sem braveza Dos ventos, ou das aguas sem corrente, Que a nao passar avante não podia, Havendo-o por milagre, assi dizia:
Oh caso grande, estranho e não cuidado! Oh milagre clarissimo e evidente! Oh descoberto engano inopinado!. Oh perfida, inimiga e falsa' gente! Quem poderá do mal apparelhado Livrar-se sem perigo sabiamente, Se lá de cima a Guarda soberana Não acudir á fraca força humana?
Bem nos mostra a divina Providencia Destes portos a pouca segurança: Bem claro temos visto na apparencia, Que era enganada a nossa confiança: Mas pois saber humano, nem prudencia Enganos tão fingidos não alcança,
tu, Guarda divina, tem cuidado
quem sem ti não pode ser guardado.
E se te move tanto a piedade Desta misera gente peregrina, Que só por tua altissima bondade, Da gente a salvas perfida e malina; N'algum porto seguro de verdade Conduzir-nos já agora determina; Ou nos amostra a terra que buscamos, Poís só por teu serviço navegamos.
Ouvio-lhe estas palavras piedosas A formosa Dione; e commovida, D'entre as nymphas se vai, que saudosas Ficaram desta subita partida.
Já penetra as estrellas luminosas; Já na terceira esphera recebida, Avante passa; e lá no sexto ceo, Para onde estava o Padre, se moveo.
E como hia affrontada do caminho, Tão formosa no gesto se mostrava, Que as estrellas, e o ceo, e o ar vizinho, E tudo quanto a via, namorava.
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho, Huns espiritos vivos inspirava,
que os polos gelados accendia, E tornava de fogo a esphera fria.
E por mais namorar o soberano Padre, de quem foi sempre amada e chara, Se lh'apresenta assi, como ao Troiano, Na selva Idea já se apresentara.
Se a vira o caçador, que o vulto humano Perdeo, vendo Diana na agua clara, Nunca os famintos galgos o mataram, Que primeiro desejos o acabaram.
« AnteriorContinuar » |