Pergunta-lhe despois, se estão na terra Christãos, como o piloto lhe dizia: O mensageiro astuto, que não erra,
Lhe diz, que a mais da gente em Christo cria. Desta sorte do peito lhe desterra
Toda a suspeita, e cauta phantasia: Por onde o Capitão seguramente Se fia da infiel e falsa gente.
E de alguns que trazia condemnados Por culpas, e por feitos vergonhosos, Porque podessem ser aventurados Em casos desta sorte duvidosos, Manda dous mais sagazes, ensaiados, Porque notem dos Mouros enganosos A cidade e poder, e porque vejam Os Christãos, que só tanto ver desejam.
por estes ao Rei presentes manda, Porque a boa vontade que mostrava, Tenha firme, segura, limpa e branda, A qual bem ao contrario em tudo estava. Já a companhia perfida e nefanda, Das naos se despedia, e o mar cortava: Foram com gestos ledos e fingidos, Os dous da frota em terra recebidos.
E despois que ao Rei apresentaram Co'o recado os presentes que traziam, A cidade correram, e notaram Muito menos daquillo que queriam; Que os Mouros cautelosos se guardaram De lhe mostrarem tudo o que pediam; Que onde reina a malicia, está o receio, Que a faz imaginar no peito alheio.
Mas aquelle, que sempre a mocidade Tem no rosto perpetua, e foi nascido De duas mãis; que ordia a falsidade, Por ver o navegante destruido; Estava n'huma casa da cidade, Com rosto humano e habito fingido, Mostrando-se Christão, e fabricava Hum altar sumptuoso que adorava.
Ali tinha em retrato affigurada Do alto e Sancto Espirito a pintura, A candida pombinha debuxada, Sobre a unica phenix Virgem pura: A companhia sancta está pintada Dos doze, tão turvados na figura, Como os que, só das linguas que cahiram De fogo, varias linguas referiram.
Aqui os dous companheiros conduzidos, Onde com este engano Baccho estava, Poem em terra os giolhos, e os sentidos Naquelle Deos, que o mundo governava. Os cheiros excellentes produzidos Na Panchaia odorifera queimava O Thyoneo; e assi por derradeiro O falso deos adora o verdadeiro.
Aqui foram de noite agasalhados Com todo o bom e honesto tratamento Os dous Christãos, não vendo que enganados Os tinha o falso e sancto fingimento. Mas assi como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e n'hum momento Appareceo no rubido horizonte
Da moça de Titão a roxa fronte:
Tornam da terra os Mouros co'o recado Do Rei, para que entrassem, e comsigo Os dous, que o Capitão tinha mandado, A quem se o Rei mostrou sincero amigo: E sendo o Portuguez certificado De não haver receio de perigo, E que gente de Christo em terra havia, Dentro no salso rio entrar queria.
Dizem-lhe os que mandou, que em terra viram Sacras aras, e sacerdote santo;
Que ali se agasalharam e dormiram,
Em quanto a luz cobrio o escuro manto; E que no Rei e gentes não sentiram Senão contentamento, e gosto tanto, Que não podia certo haver suspeita N'huma mostra tão clara e tão perfeita.
Com isto o nobre Gama recebia Alegremente os Mouros que subiam; Que levemente hum animo se fia De mostras, que tão certas pareciam. A nao da gente perfida se enchia, Deixando a bordo os barcos que Alegres vinham todos, porque crem, Que a presa desejada certa tem.
Na terra cautamente apparelhavam Armas e munições, que como vissem Que no rio os navios ancoravam, Nelles ousadamente se subissem: E nesta traïção determinavam,
Que os de Luso de todo destruissem;
que incautos pagassem, deste geito, O mal que em Moçambique tinham feito.
As ancoras tenaces vão levando Com a nautica grita costumada; Da proa as velas sós ao vento dando, Inclinam para a barra abalizada. Mas a linda Erycina, que guardando Andava sempre a gente assinalada, Vendo a cilada grande, e tão secreta, Voa do ceo ao mar como huma setta.
Convoca as alvas filhas de Nereo, Com toda a mais cerulea companhia; Que, porque no salgado mar nasceo, Das aguas o poder lhe obedecia; E propondo-lhe a causa a que desceo, Com todos juntamente se partia,
Para estorvar, que a armada não chegasse Aonde para sempre se acabasse.
Já na agua erguendo vão com grande pressa,. Co'as argenteas caudas branca escuma:
Doto co'o peito corta, e atravessa
Com mais furor o mar do que
Salta Nise, Nerine se arremessa
Por cima da agua crespa em força summa: Abrem caminho as ondas encurvadas,
De temor das Nereidas apressadas.
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