Em quanto isto passar cá na lumiosa Costa de Asia e America sombria, Não menos lá na Europa bellicosa, E nas terras da inculta Barbaria, Mostrará a gente elysia valerosa Seu preço, de temor tornando fria
A zona ardente, em ver que huma conquista Lhe não faz que das outras tres desista.
Verão o valentissimo Barriga, Adail de Zafim, grande, afamado,
Sem ter por armas quem lh'o contradiga, Correr de Mauritania serra e prado. Mas vê como a infiel gente inimiga O prende por hum caso desastrado, E com elle outra gente leva presa; Que em tal caso não pode ter defeza.
Mas passado este trance perigoso, Olha onde preso vai, como arrebata A lança de hum dos Mouros, e furioso Com ella a seu senhor derriba e mata. E revolvendo o braço poderoso, Os seus livra, e os imigos desbarata: E assi todos alegres e triumphantes, Se tornam d'onde foram presos antes.
Ei-lo cá por engano outra vez preso, Está na escura e vil estrebaria, Carregado de ferros, de tal peso, Que de hum logar mover-se não podia. Vê-lo de generoso fogo acceso, Que o pão ensanguentado sacudia,
Com que ao soberbo Mouro a morte dera,
Que em sua honrada barba a mão pozera?
Mas vê como os infidos Agarenos,
Por mandado lhe dão do Rei descrido
Tanto açoute por isto, que em pequenos Lhe fazem sobre as costas o vestido,
Sem que ao forte Varão vozes, nem menos Ouvissem dar hum intimo gemido: Já vai a Portugal despedaçado
O vestido a pedir ser resgatado.
Olha cabo de Aguer aqui tomado Por culpa dos soldados de soccorro: Vês o grande Carvalho ali cercado De imigos, como touro em duro corro? De trinta Mouros mortos rodeado, Revolvendo o montante, diz: «Pois morro, Celebrem mortos minha morte escura, E façam-me de mortos sepultura. »
Ambas pernas quebradas, que passando Hum tiro, espedaçado lh'as havia; Dos giolhos, e braços se ajudando, Com nunca visto esforço e valentia: Em torno pelo campo retirando, Vai a Agarena, dura companhia, Que com dardos e settas, que tiravam,
De longe dar-lhe a morte procuravam.
N'este mesmo canto x, depois da estancia LXXIII, appareciam as onze seguintes:
Com taes obras e feitos excellentes De valor nunca visto, nem cuidado, Alcançareis aquellas preeminentes Excellencias, que o ceo tem reservado Para vos outros, entre quantas gentes O Sol aquenta, e cerca o humor salgado: Que em pouco se acham poucas repartidas, E em nenhuma nação junctas e unidas.
Religião, a primeira, sublimada, De pio e sancto zêlo revestida; Ao culto divinal sómente dada, E em seu serviço e obras embebida. Nesta, a gente no Elyseo campo nada, Se mostrou sempre tal em morte e vida, Que pode pretender a primazia Da illustre e religiosa monarchia.
Lealdade he segunda, que engrandece, Sobre todas, o nobre peito humano; Com a qual similhante ser parece Ao côro celestial e soberano. Nesta por todo o mundo se conhece Por tão illustre o povo lusitano, Que jamais a seu Deos, e Rei jurado, A fé devida e publica ha negado.
Fortaleza vem logo, que os auctores Tanto do antiguo Luso magnificam, Que os vossos Portuguezes com maiores Obras, ser verdadeira certificam: Dando materia a novos escriptores, Com feitos, que em memoria eterna ficam; E vencendo do mundo os mais subidos, Sem nunca de mais poucos ser vencidos.
Conquista será a quarta, que no imperio Portuguez só reside com possança: Pois no sublime e no infimo hemispherio As quatro partes só do mundo alcança: E as quatro nações dellas por mysterio Com que conquista, e tem certa esperança, Que Christãos, Mouros, Turcos e Gentios, Junctaram n'huma lei seus senhorios.
Descobrimento he quinta, que bem certo Á gente Lusitana só se deve;
Pois tendo Norte a Sul já descoberto, Adonde o dia he grande, e adonde breve: E por caminho desusado, incerto, De Ponente a Levante, inda se atreve Cercar o mundo em torno por direito: Feito despois, nem antes, nunca feito.
Deixo de referir a piedade Do peito Portuguez, e cortezia, Temperança, fé, zêlo e caridade, Com outras muitas, que contar podia. Pois a segundo o ponto da verdade, E regras da moral philosophia, Não pode conservar-se huma virtude, Sem que das outras todas se arme, e ajude.
Mas destas, como base, e fundamento Daquellas cinco insignes excellencias, Em que ellas tee seu natural assento, E de quem tomam suas dependencias: Não quero aqui tractar, que meu intento Não he descer a todas minudencias, Que geraes são no mundo a muita gente, Senão das que em vós se acham tão sómente.
Mas não será de todo limpo e puro, O curso desigual de vossa historia: Tal he a condição do estado escuro Da humana vida, fragil, transitoria: Que mortes, perdições, trabalho duro Aguarão grandemente vossa gloria; Mas não poderá algum successo, ou fado, Derribar-vos deste alto e honroso estado.
Tempo virá, que entr'ambos hemispherios Descobertos por vós, e conquistados, E com batalhas, mortes, captiveiros, Os varios povos delles sujeitados:
De Hespanha os dois grandissimos Imperios Serão n'hum senhorio só juntados,
Ficando por metropoli, e senhora,
A cidade que cá vos manda agora.
Ora, pois, gente illustre, que no mundo Deos no gremio catholico conserva, Redemidos da pena do Profundo, Que para os condemnados se reserva, Por vos dotar o que perdeo o immundo Lusbel, com sua infame e vil caterva: Pois sabeis alcançar a gloria humana, Fazei por não perder a soberana.
Ultimamente, depois da estancia CXLI d'este canto x, se achava mais esta que aqui vai:
D'aqui saíndo irá, donde acabada
Sua vida será na fatal ilha:
Mas proseguindo a venturosa armada A volta de tão grande maravilha; Verão a nao Victoria celebrada
Ir tomar port juncto de Sevilha,
Depois de haver cercado o mar profundo,
Dando huma volta em claro a todo o mundo.
« AnteriorContinuar » |