Não se contenta a gente Portugueza; Mas seguindo a victoria estrue e mata: A povoação sem muro e sem defeza Esbombardea, accende e desbarata. Da cavalgada ao Mouro já lhe peza; Que bem cuidou compra-la mais barata: Já blasphema da guerra, e maldizia O velho inerte, e a mãi que o filho cria.
Fugindo, a setta o Mouro vai tirando Sem força, de covarde e de apressado, A pedra, o pao e o canto arremessando; Dá-lhe armas o furor desatinado: Já a ilha, e todo o mais desamparando, Á terra firme foge amedrontado:
Passa, e corta do mar o estreito braço,
Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço.
Huns vão nas almadias carregadas; Hum corta o mar a nado diligente; Quem se afoga nas ondas encurvadas; Quem bebe o mar, e o deita juntamente. Arrombam as miudas bombardadas Os pangaios subtis da bruta gente: Desta arte o Portuguez em fim castiga A vil malicia, perfida, inimiga.
Tornam victoriosos para a armada, Co'o despojo da guerra e rica presa, E vão a seu prazer fazer aguada, Sem achar resistencia, nem defesa. Ficava a Maura gente magoada,
No odio antiguo, mais que nunca, accesa; E vendo sem vingança tanto dano, Somente estriba no segundo engano.
Pazes commetter manda arrependido O Regedor daquella iniqua terra. Sem ser dos Lusitanos entendido. Que em figura de paz lhe manda guerra: Porque o piloto falso promettido, Que toda a má tenção no peito encerra, Para os guiar á morte lhe mandava, Como em sinal das pazes, que tratava.
O Capitão, que já lhe então convinha Tornar a seu caminho acostumado; Que tempo concertado e ventos tinha Para ir buscar o Indo desejado;
Recebendo o piloto, que lhe vinha, (Foi delle alegremente agasalhado) E respondendo ao mensageiro, attento, As velas manda dar ao largo vento.
Desta arte despedida a forte armada,* As ondas de Amphitrite dividia, Das filhas de Nereo acompanhada, Fiel, alegre e doce companhia: O Capitão, que não cahia em nada Do enganoso ardil, que o Mouro ordia, Delle mui largamente se informava Da India toda, e costas que passava.
Mas o Mouro instruido nos enganos, Que o malevolo Baccho lhe ensinara, De morte, ou captiveiro novos danos, Antes que á India chegue, lhe prepara; Dando razão dos portos Indianos, Tambem tudo o que pede lhe declara: Que havendo por verdade o que dizia, De nada a forte gente se temia.
E diz-lhe mais, co'o falso pensamento Com que Sinon os Phrygios enganou, Que perto está huma ilha, cujo assento Povo antigo Christão sempre habitou.. O Capitão, que a tudo estava attento, Tanto com estas novas se alegrou, Que com dadivas grandes lhe rogava, Que o leve á terra onde esta gente estava.
O mesmo o falso Mouro determina. Que o seguro Christão lhe mande, e pede; Que a ilha he possuida da malina Gente, que segue o torpe Mafamede: Aqui o engano e morte lhe imagina, Porque em poder e forças muito excede A Moçambique esta ilha, que se chama. Quíloa, mui conhecida pela fama.
Para lá se inclinava a leda frota: Mas a deosa em Cythere celebrada, Vendo como deixava a certa rota, Por ir buscar a morte não cuidada, Não consente que em terra tão remota Se perca a gente della tanto amada; E com ventos contrarios a desvia Donde o piloto falso a leva e guia.
Mas o malvado Mouro não podendo Tal determinação levar avante, Outra maldade iniqua commettendo, Ainda em seu proposito constante, Lhe diz, que pois as aguas discorrendo, Os levaram por força por diante, Que outra ilha tem perto, cuja gente Eram Christãos com Mouros juntamente.
Tambem nestas palavras lhe mentia, Como por regimento em fim leyava; Que aqui gente de Christo não havia, Mas a que a Mafamede celebrava. O Capitão, que em tudo o Mouro cria, Virando as velas, a ilha demandava: Mas não querendo a deosa guardadora, Não entra pela barra, e surge fóra.
Estava a ilha á terra tão chegada, Que hum estreito pequeno a dividia; Huma cidade nella situada,
Que na fronte do mar apparecia; De nobres edificios fabricada, Como por fóra ao longe descobria:
Regida por hum Rei de antigua idade: Mombaça he o nome da ilha e da cidade.
E sendo a ella o Capitão chegado, Estranhamente ledo, porque espera De poder ver o povo baptizado. Como o falso piloto lhe dissera; Eis vem bateis da terra com recado Do Rei, que já sabia a gente que era: Que Baccho muito de antes o avisara, Na fórma d'outro Mouro, que tomara.
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