Que tornará a vez setima, cantava, Pelejar com o invicto e forte Luso,
quem nenhum trabalho peza e aggrava; Mas com tudo este só o fará confuso: Trará para a batalha horrenda e brava Machinas de madeiros fóra de uso, Para lhe abalroar as caravelas,
Que até li vão lhe fôra commette-las.
Pela agua levará serras de fogo, Para abrazar-lhe quanta armada tenha: Mas a militar arte e engenho, logo Fará ser vãa a braveza com que venha. Nenhum claro barão no marcio jogo, Que nas azas da fama se sostenha, Chega a este, que a palma a todos toma, E perdoe-me a illustre Grecia, ou Roma.
Porque tantas batalhas, sustentadas Com muito pouco mais de cem soldados, Com tantas manhas e artes inventadas, Tantos cães não imbelles profligados; Ou parecerão fabulas sonhadas, Ou que os celestes coros invocados Descerão a ajuda-lo, e lhe darão Esforço, força, ardil e coração.
Aquelle, que nos campos Marathonios O grão poder de Dario estrue e rende; Ou quem com quatro mil Lacedemonios de Thermopylas defende;
passo Nem o mancebo Cocles dos Ausonios, Que com todo o poder Tusco contende Em defensa da ponte, ou Quinto Fabio, Foi como este na guerra forte e sabio.
Mas nesse passo a nympha o som canoro Abaixando, fez ronco e entristecido, Cantando em baixa voz, envolta em choro, O grande esforço mal agradecido. Ó Belizario, disse, que no coro Das Musas serás sempre engrandecido, Se em ti viste abatido o bravo Marte, Aqui tens com quem pódes consolar-te!
Aqui tens companheiro, assi nos feitos, Como no galardão injusto e duro: Em ti, e nelle veremos altos peitos A baixo estado vir, humilde e escuro: Morrer nos hospitaes, em pobres leitos, Os que ao Rei e á lei servem de muro! Isto fazem os Reis, cuja vontade
Manda mais, que a justiça e que a verdade.
Isto fazem os Reis, quando embebidos N'huma apparencia branda, que os contenta, Dão os premios, de Aiace merecidos, lingua vãa de Ulysses fraudulenta.
Mas vingo-me; que os bens mal repartidos, Por quem só doces sombras apresenta, Se não os dão a sabios cavalleiros, Dão-os logo a avarentos lisongeiros.
Mas tu, de quem ficou tão mal pagado Hum tal vassallo, ó Rei só nisto inico, Se não és para dar-lhe honroso estado, He elle para dar-te hum reino rico. Em quanto for o mundo rodeado Dos Apollineos raios, eu te fico,
Que elle seja entre a gente illustre e claro, E tu nisto culpado por avaro.
Mas eis outro, cantava, intitulado Vem com nome Real, e traz comsigo O filho, que no mar será illustrado Tanto como qualquer Romano antigo: Ambos darão com braço forte, armado, A Quíloa fertil aspero castigo, Fazendo nella Rei leal e humano, Deitado fóra o perfido Tyranno.
Tambem farão Mombaça, que se arrea De casas sumptuosas e edificios, Co'o ferro e fogo seu queimada e fea, Em pago dos passados maleficios. Despois na costa da India, andando chea De lenhos inimigos, e artificios Contra os Lusos, com velas e com remos O mancebo Lourenço fará extremos.
Das grandes naos do Samorim potente, Que encherão todo o mar, co'a ferrea pella, Que sahe com trovão do cobre ardente, Fará pedaços leme, mastro, vela: Despois, lançando arpéos ousadamente Na capitaina imiga, dentro nella Saltando, a fará só com lança e espada De quatro centos Mouros despejada.
Mas de Deos a escondida providencia, Que ella só sabe o bem de que se serve, O porá onde esforço, nem prudencia, Poderá haver, que a vida lhe reserve. Em Chaul, onde em sangue, e resistencia O mar todo com fogo e ferro ferve, Lhe farão, que com vida se não saia, As armadas de Egypto e de Cambaia.
Ali o poder de muitos inimigos,
Que o grande esforço só com força rende, Os ventos, que faltaram, e os perigos Do mar, que sobejaram, tudo o offende. Aqui resurjam todos os antigos
A ver o nobre ardor, que aqui se aprende: Outro Sceva verão, que espedaçado Não sabe ser rendido, nem domado.
Com toda hua coxa fóra, que em pedaços Lhe leva hum cego tiro, que passara, Se serve inda dos animosos braços, E do grão coração, que lhe ficara: que outro pelouro quebra os laços, que co'a alma o corpo se liara:
Ella sôlta voou da prisão fora,
Onde subito se acha vencedora.
Na qual tu mereceste paz serena!
Que o corpo, que em pedaços se apresenta, Quem o gerou vingança já lhe ordena; Que eu ouço retumbar a grão tormenta, Que vem já dar a dura e eterna pena, De esperas, basiliscos e trabucos,
A Cambaicos crueis e a Mamelucos.
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