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III

Ali em cadeiras ricas, crystallinas,

Se assentam dous e dous, amante e dama;
N'outras, á cabeceira, d'ouro finas,

Está co'a bella deosa o claro Gama.

De iguarias suaves e divinas,

A

quem não chega a Egypcia antigua fama, Se accumulam os pratos de fulvo ouro,

Trazidos lá do Atlantico thesouro.

IV

Os vinhos odoriferos, que acima
Estão, não só do Italico Falerno,
Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima,
Com todo o ajuntamento sempiterno,
Nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
Crespas escumas erguem, que no interno
Coração movem subita alegria,
Saltando co'a mistura d'agua fria.

V

Mil praticas alegres se tocavam,

Risos doces, subtís e argutos ditos,

Que entre hum e outro manjar se alevantavam,

Despertando os alegres appetitos:

Musicos instrumentos não faltavam,

(Quaes no profundo reino os nús esp'ritos

Fizeram descansar da eterna pena)

C'huma voz d'huma angelica Sirena.

VI

Cantava a bella nympha, e co'os accentos,
Que pelos altos paços vão soando,

Em consonancia igual os instrumentos
Suaves vem a hum tempo conformando:
Hum subito silencio enfrea os ventos,
E faz ir docemente murmurando
As aguas, e nas casas naturaes

Adormecer os brutos animaes.

VII

Com doce voz está subindo ao ceo
Altos barões, que estão por vir ao mundo,
Cujas claras ideas vio Proteo

N'hum globo vão, diaphano, rotundo;
Que Jupiter em dom lho concedeo
Em sonhos, e despois no reino fundo
Vaticinando o disse, e na memoria
Recolheo logo a nympha a clara historia.

VIII

Materia he de cothurno e não de socco,
A que a nympha aprendeo no immenso lago,
Qual Iopas não soube, ou Demodoco,
Entre os Pheaces hum, outro em Carthago.

Aqui, minha Calliope, te invoco

Neste trabalho extremo; porque em pago
Me tornes, do que escrevo, e em vão pretendo,
O gosto de escrever, que vou perdendo.

IX

Vão os annos descendo, e já do estio

Ha

pouco que passar até o outono; A fortuna me faz o engenho frio,

Do qual já não me jacto, nem me abono:
Os desgostos me vão levando ao rio
Do negro esquecimento e eterno sono:
Mas tu me dá, que cumpra, ó grão Rainha
Das Musas, co'o que quero, á nação minha!

X

Cantava a bella deosa, que viriam
Do Tejo pelo mar, que o Gama abrira,
Armadas, que as ribeiras venceriam,
Por onde o Oceano Indico suspira:

E

que os gentios Reis, que não dariam
A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
Provariam do braço duro e forte,
Até render-se a elle, ou logo á morte:

XI

Cantava d'hum, que tem nos Malabares
Do summo sacerdocio a dignidade,
Que só por não quebrar co'os singulares
Barões os nós, que dera, d'amizade,
Soffrerá suas cidades e logares,
Com ferro, incendios, ira e crueldade,
Ver destruir do Samorim potente,
Que taes odios terá co'a nova gente.

XII

E canta como lá se embarcaria

Em Belem o remedio deste dano,

Sem saber o que em si ao mar traria,
O grão Pacheco, Achilles Lusitano:

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peso sentirão, quando entraria,

O curvo lenho, e o fervido Oceano,

Quando mais n'agua os troncos, que gemerem,

Contra sua natureza se metterem.

XIII

Mas já chegado aos fins Orientaes,
E deixado em ajuda do gentio
Rei de Cochim com poucos naturaes
Nos braços do salgado e curvo rio,
Desbaratará os Naires infernaes
No passo Cambalão, tornando frio
De espanto o ardor immenso do Oriente,
Que verá tanto obrar tão pouca gente.

XIV

Chamará o Samorim mais gente nova;
Virão Reis de Bipur, e de Tanor,
Das serras de Narsinga, que alta prova
Estarão promettendo a seu senhor:

Fará

que todo o Naire em fim se mova, Que entre Calecut jaz, e Cananor, D'ambas as leis imigas, para a guerra, Mouros por mar, Gentios pela terra.

XV

E todos outra vez desbaratando
Por terra e mar o grão Pacheco ousado,
A grande multidão, que irá matando,
A todo o Malabar terá admirado:
Commetterá outra vez, não dilatando,
O Gentio os combates apressado,
Injuriando os seus, fazendo votos

Em vão aos deoses vãos, surdos e immotos.

XVI

Já não defenderá sómente os passos,
Mas queimar-lhe-ha logares, templos, casas:
Acceso de ira o cão, não vendo lassos
Aquelles, que as cidades fazem rasas,
Fará que os seus, de vida pouco escassos,
Commettam o Pacheco, que tem asas,
Por dous passos n'hum tempo: mas voando
D'hum n'outro, tudo irá desbaratando.

XVII

Virá ali o Samorim, porque em pessoa
Veja a batalha, e os seus esforce e anime;
Mas hum tiro, que com zonido voa,
De sangue o tingirá no andor sublime.

Já não verá remedio, ou manha boa,
Nem força, que o Pacheco muito estime:
Inventará traições e vãos venenos:
Mas sempre (o Ceo querendo) fará menos.

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