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LXIX

Se te parece inopinado feito,

Que Rei da ultima Hesperia a ti me mande,
O coração sublime, o regio peito,
Nenhum caso possibil tem por grande.
Bem parece, que o nobre e grão conceito
Do Lusitano espirito demande
Maior credito e fé de mais alteza,
Que crea delle tanta fortaleza.

LXX

Sabe, que ha muitos annos, que os antigos
Reis nossos firmemente propozeram

De vencer os trabalhos e perigos,

Que sempre ás grandes cousas se oppozeram:

E descobrindo os mares inimigos

Do quieto descanso, pretenderam

De saber, que fim tinham e onde estavam
As derradeiras praias, que lavavam.

LXXI

Conceito digno foi do ramo claro
Do venturoso Rei, que arou primeiro
O mar, por ir deitar do ninho charo
O morador de Abyla derradeiro:
Este, por sua industria e engenho raro,
N'hum madeiro ajuntando outro madeiro,
Descobrir pôde a parte, que faz clara
De Argos, da Hydra a luz, da Lebre e da Ara.

LXXII

Crescendo co'os successos bons primeiros
No peito as ousadias, descobriram
Pouco e pouco caminhos estrangeiros,
Que huns succedendo aos outros proseguiram:
De Africa os moradores derradeiros

Austraes, que nunca as sete flammas viram,
Foram vistos de nós, atraz deixando
Quantos estão os Tropicos queimando.

LXXIII

Assi com firme peito, e com tamanho
Proposito vencemos a Fortuna,
Até que nós no teu terreno estranho
Viemos pôr a ultima coluna:
Rompendo a força do liquido estanho,
Da tempestade horrifica e importuna,
A ti chegámos, de quem só queremos
Sinal, que ao nosso Rei de ti levemos.

LXXIV

Esta he a verdade, Rei; que não faria
Por tão incerto bem, tão fraco premio,
Qual, não sendo isto assi, esperar podia,
Tão longo, tão fingido e vão proemio:
Mas antes descansar me deixaria
No nunca descansado e fero gremio
Da madre Thetis, qual pirata inico,
Dos trabalhos alheios feito rico.

LXXV

Assi que, ó Rei, se minha grão verdade
Tens por qual he, sincera e não dobrada,
Ajunta-me ao despacho brevidade,
Não me impidas o gosto da tornada:
E se inda te parece falsidade,
Cuida bem na razão, que está provada,
Que com claro juizo póde ver-se;
Que facil he a verdade d'entender-se.

LXXVI

Attento estava o Rei na segurança,
Com que provava o Gama o que dizia:
Concebe delle certa confiança,
Credito firme, em quanto proferia:
Pondera das palavras a abastança,
Julga na auctoridade grão valia;
Começa de julgar por enganados
Os Catuaes corruptos, mal julgados.

LXXVII

Juntamente a cubica do proveito,
Que espera do contracto Lusitano,
O faz obedecer, e ter respeito
Co'o Capitão, e não co'o Mauro engano.
Em fim, ao Gama manda, que direito
Ás naos se vá, e seguro d'algum dano
Possa á terra mandar qualquer fazenda,
Que pela especiaria troque e venda.

LXXVIII

Que mande da fazenda em fim lhe manda, Que nos reinos Gangeticos falleça;

Se alguma traz idonea, lá da banda
Donde a terra se acaba, e o mar começa.
Já da real presença veneranda

Se parte o Capitão para onde peça
Ao Catual, que delle tinha cargo,
Embarcação, que a sua está de largo.

LXXIX

Embarcação, que o leve ás naos lhe pede:
Mas o mao regedor, que novos laços
Lhe machinava, nada lhe concede,
Interpondo tardanças e embaraços:
Com elle parte ao caes, porque o arrede
Longe quanto podér dos regios paços;
Onde, sem que seu Rei tenha noticia,
Faça o que lhe ensinar sua malicia.

LXXX

Lá bem longe lhe diz, que lhe daria
Embarcação bastante, em que partisse,
Ou
que para a luz crástina do dia
Futuro, sua partida differisse:
Já com tantas tardanças entendia
O Gama, que o Gentio consentisse
Na má tenção dos Mouros, torpe e fera,

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LXXXI

Era este Catual hum dos que estavam
Corruptos pela Maʼometana gente,
O principal, por quem se governavam
As cidades do Samorim potente:
Delle sómente os Mouros esperavam
Effeito a seus enganos torpemente:
Elle, que no concerto vil conspira,
De suas esperanças não delira.

LXXXII

O Gama com instancia lhe requere,

Que o mande pôr nas naos, e não lhe val;

E

que assi lho mandara, lhe refere,

O nobre successor de Perimal.

Por que razão lhe impede e lhe differe
A fazenda trazer de Portugal?

Pois aquillo que os Reis já tem mandado,
Não pode ser por outrem derogado.

LXXXIII

Pouco obedece o Catual corruto
A taes palavras, antes revolvendo
Na phantasia algum subtil e astuto
Engano diabolico e estupendo;
Ou como banhar possa o ferro bruto
No sangue aborrecido, estava vendo;
Ou como as naos em fogo lhe abrasasse,
Porque nenhuma á patria mais tornasse.

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