Se te parece inopinado feito,
Que Rei da ultima Hesperia a ti me mande, O coração sublime, o regio peito, Nenhum caso possibil tem por grande. Bem parece, que o nobre e grão conceito Do Lusitano espirito demande Maior credito e fé de mais alteza, Que crea delle tanta fortaleza.
Sabe, que ha muitos annos, que os antigos Reis nossos firmemente propozeram
De vencer os trabalhos e perigos,
Que sempre ás grandes cousas se oppozeram:
E descobrindo os mares inimigos
Do quieto descanso, pretenderam
De saber, que fim tinham e onde estavam As derradeiras praias, que lavavam.
Conceito digno foi do ramo claro Do venturoso Rei, que arou primeiro O mar, por ir deitar do ninho charo O morador de Abyla derradeiro: Este, por sua industria e engenho raro, N'hum madeiro ajuntando outro madeiro, Descobrir pôde a parte, que faz clara De Argos, da Hydra a luz, da Lebre e da Ara.
Crescendo co'os successos bons primeiros No peito as ousadias, descobriram Pouco e pouco caminhos estrangeiros, Que huns succedendo aos outros proseguiram: De Africa os moradores derradeiros
Austraes, que nunca as sete flammas viram, Foram vistos de nós, atraz deixando Quantos estão os Tropicos queimando.
Assi com firme peito, e com tamanho Proposito vencemos a Fortuna, Até que nós no teu terreno estranho Viemos pôr a ultima coluna: Rompendo a força do liquido estanho, Da tempestade horrifica e importuna, A ti chegámos, de quem só queremos Sinal, que ao nosso Rei de ti levemos.
Esta he a verdade, Rei; que não faria Por tão incerto bem, tão fraco premio, Qual, não sendo isto assi, esperar podia, Tão longo, tão fingido e vão proemio: Mas antes descansar me deixaria No nunca descansado e fero gremio Da madre Thetis, qual pirata inico, Dos trabalhos alheios feito rico.
Assi que, ó Rei, se minha grão verdade Tens por qual he, sincera e não dobrada, Ajunta-me ao despacho brevidade, Não me impidas o gosto da tornada: E se inda te parece falsidade, Cuida bem na razão, que está provada, Que com claro juizo póde ver-se; Que facil he a verdade d'entender-se.
Attento estava o Rei na segurança, Com que provava o Gama o que dizia: Concebe delle certa confiança, Credito firme, em quanto proferia: Pondera das palavras a abastança, Julga na auctoridade grão valia; Começa de julgar por enganados Os Catuaes corruptos, mal julgados.
Juntamente a cubica do proveito, Que espera do contracto Lusitano, O faz obedecer, e ter respeito Co'o Capitão, e não co'o Mauro engano. Em fim, ao Gama manda, que direito Ás naos se vá, e seguro d'algum dano Possa á terra mandar qualquer fazenda, Que pela especiaria troque e venda.
Que mande da fazenda em fim lhe manda, Que nos reinos Gangeticos falleça;
Se alguma traz idonea, lá da banda Donde a terra se acaba, e o mar começa. Já da real presença veneranda
Se parte o Capitão para onde peça Ao Catual, que delle tinha cargo, Embarcação, que a sua está de largo.
Embarcação, que o leve ás naos lhe pede: Mas o mao regedor, que novos laços Lhe machinava, nada lhe concede, Interpondo tardanças e embaraços: Com elle parte ao caes, porque o arrede Longe quanto podér dos regios paços; Onde, sem que seu Rei tenha noticia, Faça o que lhe ensinar sua malicia.
Lá bem longe lhe diz, que lhe daria Embarcação bastante, em que partisse, Ou que para a luz crástina do dia Futuro, sua partida differisse: Já com tantas tardanças entendia O Gama, que o Gentio consentisse Na má tenção dos Mouros, torpe e fera,
Era este Catual hum dos que estavam Corruptos pela Maʼometana gente, O principal, por quem se governavam As cidades do Samorim potente: Delle sómente os Mouros esperavam Effeito a seus enganos torpemente: Elle, que no concerto vil conspira, De suas esperanças não delira.
O Gama com instancia lhe requere,
Que o mande pôr nas naos, e não lhe val;
que assi lho mandara, lhe refere,
O nobre successor de Perimal.
Por que razão lhe impede e lhe differe A fazenda trazer de Portugal?
Pois aquillo que os Reis já tem mandado, Não pode ser por outrem derogado.
Pouco obedece o Catual corruto A taes palavras, antes revolvendo Na phantasia algum subtil e astuto Engano diabolico e estupendo; Ou como banhar possa o ferro bruto No sangue aborrecido, estava vendo; Ou como as naos em fogo lhe abrasasse, Porque nenhuma á patria mais tornasse.
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