As Armas, e os Barões assinalados, Que da Occidental praia Lusitana, Por mares nunca d'antes navegados, Passaram ainda alem da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que promettia a força humana; E entre gente remota edificaram Novo reino, que tanto sublimaram:
E tambem as memorias gloriosas Daquelles Reis, que foram dilatando A Fé, o Imperio; e as terras viciosas De Africa e de Asia andaram devastando; E aquelles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por tod'a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sabio Grego, e do Troiano, As navegações grandes, que fizeram: Cale-se d'Alexandro, e de Trajano, A fama das victorias, que tiveram: Que eu canto o peito illustre Lusitano, A quem Neptuno, e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa antigua canta, Que outro valor mais alto se alevanta.
E vós, Tagides minhas, pois creado Tendes em mi hum novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mi vosso rio alegremente; Dai-me agora hum som alto e sublimado, Hum estylo grandiloquo e corrente; Porque de vossas aguas Phebo ordene, Que não tenham inveja ás de Hippocrene.
Dai-me huma furia grande e sonorosa, E não de agreste avena, ou frauta ruda; Mas de tuba canora e bellicosa,
Que o peito accende, e a côr ao gesto muda: Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, a que Marte tanto ajuda; Que se espalhe, e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso.
E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antigua liberdade, E não menos certissima esperança De augmento da pequena Christandade: Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deos, que todo o mande, Para do mundo a Deos dar parte grande:
Vós, tenro e novo ramo florecente D'huma arvore de Christo mais amada, Que nenhuma nascida no Occidente, Cesarea, ou Christianissima chamada: Vêde-o no vosso escudo, que presente Vos amostra a victoria já passada, Na qual vos deo por armas, e deixou As que elle para si na Cruz tomou:
Vós, poderoso Rei, cujo alto imperio O Sol logo em nascendo vê primeiro; Vê-o tambem no meio do hemispherio, E quando desce o deixa derradeiro: Vós, que esperamos jugo e vituperio Do torpe Ismaelita cavalleiro; Do Turco oriental, e do Gentio, Que inda bebe o licor do sancto rio:
Inclinai por hum pouco a magestade, Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra, qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno Templo. Os olhos da Real benignidade
Ponde no chão: vereis hum novo exemplo De amor dos patrios feitos valerosos, Em versos divulgado numerosos.
Vereis amor da patria, não movido De premio vil; mas alto e quasi eterno: Que não he premio vil ser conhecido Por hum pregão do ninho meu paterno. Ouvi; vereis o nome engrandecido Daquelles de quem sois senhor superno: E julgareis qual he mais excellente, Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
Ouvi; que não vereis com vas façanhas, Phantasticas, fingidas, mentirosas, Louvar os vossos, como nas estranhas Musas, de engrandecer-se desejosas: As verdadeiras vossas são tamanhas, Que excedem as sonhadas, fabulosas; Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro, E Orlando, indaque fôra verdadeiro.
Por estes vos darei hum Nuno fero, Que fez ao Rei, e ao reino tal serviço;
Hum Egas, e hum Dom Fuas, que de Homero A cithara para elles só cubiço.
Pois pelos doze pares, dar-vos quero Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço: Dou-vos tambem aquelle illustre Gama, Que para si de Eneas toma a fama.
Pois se a troco de Carlos Rei de França, Ou de Cesar quereis igual memoria, Vêde o primeiro Affonso, cuja lança Escura faz qualquer estranha gloria: E aquelle, que a seu reino a segurança Deixou co'a grande e prospera victoria: Outro Joanne invicto cavalleiro,
O quarto e quinto Affonsos, e o terceiro.
Nem deixarão meus versos esquecidos Aquelles que nos reinos lá da Aurora Se fizeram por armas tão subidos, Vossa bandeira sempre vencedora: Hum Pacheco fortissimo, e os temidos Almeidas, por quem sempre o Tejo chora; Albuquerque terribil, Castro forte,
E outros em quem poder não teve a morte.
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