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IX

Olha est'outra bandeira, e vê pintado
O grão progenitor dos Reis primeiros:
Nós Hungaro o fazemos, porém nado
Crem ser em Lotharingia os estrangeiros:
Despois de ter, co'os Mouros, superado
Gallegos e Leonezes cavalleiros,

Á Casa sancta passa o sancto Henrique,
Porque o tronco dos Reis se sanctifique.

X

Quem he, me dize, est'outro que me espanta,
(Pergunta o Malabar maravilhado)
Que tantos esquadrões, que gente tanta
Com tão pouca tem roto e destroçado?
Tantos muros asperrimos quebranta,
Tantas batalhas dá, nunca cansado,
Tantas coroas tem por tantas partes
A seus pés derribadas, e estandartes?

XI

Este he o primeiro Affonso, disse o Gama,
Que todo Portugal aos Mouros toma;
Por quem no Estygio lago jura a Fama
De mais não celebrar nenhum de Roma:
Este he aquelle zeloso, a quem Deos ama,
Com cujo braço o Mouro imigo doma,
Para quem de seu reino abaixa os muros,
Nada deixando já para os futuros.

XII

Se Cesar, se Alexandre Rei, tiveram
Tão pequeno poder, tão pouca gente,`
Contra tantos imigos, quantos eram

Os

que desbaratava este excellente; Não creas, que seus nomes se estenderam Com glorias immortaes tão largamente: Mas deixa os feitos seus inexplicaveis, Vê que os de seus vassallos são notaveis.

XIII

Este que vês olhar com gesto irado
Para o rompido alumno mal soffrido,
Dizendo-lhe que o exercito espalhado
Recolha, e torne ao campo defendido:
Torna o moço do velho acompanhado,
Que vencedor o torna de vencido:
Egas Moniz se chama o forte velho,
Para leaes vassallos claro espelho.

XIV

Vê-lo cá vai co'os filhos a entregar-se,
A corda ao collo, nu de seda e panno,
Porque não quiz o moço sujeitar-se,
Como elle promettera, ao Castelhano:
Fez com siso e promessas levantar-se
0 cerco, que já estava soberano:
Os filhos e mulher obriga á pena:
Para que o senhor salve, a si condena.

xv

Não fez o consul tanto, que cercado
Foi nas forcas Caudinas de ignorante,
Quando a passar por baixo foi forçado
Do Samnitico jugo triumphante:
Este, pelo seu povo injuriado,

A si se entrega só, firme e constante;
Est'outro a si e os filhos naturais,

E a consorte sem culpa, que doe mais.

XVI

Vês este, que sahindo da cilada,
Dá sobre o Rei, que cerca a villa forte;
Já o Rei tem preso, e a villa descercada:
Illustre feito, digno de Mavorte!

Vê-lo cá vai pintado nesta armada,

No mar tambem aos Mouros dando a morte,
Tomando-lhe as galés, levando a gloria
Da primeira maritima victoria:

XVII

He Dom Fuas Roupinho, que na terra
E no mar resplandece juntamente,
Co'o fogo, que accendeo junto da serra
De Abyla, nas galés da Maura gente.
Olha como em tão justa e sancta guerra,
De acabar pelejando está contente:
Das mãos dos Mouros entra a felice alma
Triumphando nos Ceos, com justa palma.

XVIII

Não vês hum ajuntamento de estrangeiro
Trajo, sahir da grande armada nova,
Que ajuda a combater o Rei primeiro
Lisboa, de si dando sancta prova?
Olha Henrique, famoso cavalleiro,
A palma, que lhe nasce junto á cova:
Por elles mostra Deos milagre visto:
Germanos são os martyres de Christo.

XIX

Hum sacerdote vê brandindo a espada
Contra Arronches, que toma por vingança
De Leiria, que de antes foi tomada
Por quem por Mafamede enresta a lança:
He Theotonio, Prior. Mas vê cercada
Santarem, e verás a segurança
Da figura nos muros, que primeira
Subindo ergueo das quinas a bandeira:

XX

Vê-lo cá onde Sancho desbarata

Os Mouros de Vandalia em fera guerra,
Os imigos rompendo, o alferes mata,
E Hispalico pendão derriba em terra:
Mem Moniz he, que em si o valor retrata,
Que o sepulchro do pai co'os ossos cerra:
Digno destas bandeiras, pois sem falta
A contraria derriba, e a sua exalta.

XXI

Olha aquelle, que desce pela lança
Com as duas cabeças dos vigias,
Onde a cilada esconde, com que alcança
A cidade por manhas e ousadias:
Ella por armas toma a similhança
Do cavalleiro, que as cabeças frias
Na mão levava: feito nunca feito!
Giraldo Sem-pavor he o forte peito.

XXII

Não vês hum Castelhano, que aggravado
De Affonso nono Rei, pelo odio antigo.
Dos de Lara co'os Mouros he deitado,
De Portugal fazendo-se inimigo?
Abrantes villa toma, acompanhado
Dos duros infieis, que traz comsigo:
Mas vê, que hum Portuguez com pouca gente
O desbarata, e o prende ousadamente:

XXIII

Martim Lopes se chama o cavalleiro,
Que destes levar póde a palma e o louro.
Mas olha hum ecclesiastico guerreiro,
Que em lança de aço torna o bago de ouro:
Vê-lo entre os duvidosos tão inteiro
Em não negar batalha ao bravo Mouro:
Olha o sinal no ceo, que lhe apparece,
Com que nos poucos seus o esforço crece.

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