Olha est'outra bandeira, e vê pintado O grão progenitor dos Reis primeiros: Nós Hungaro o fazemos, porém nado Crem ser em Lotharingia os estrangeiros: Despois de ter, co'os Mouros, superado Gallegos e Leonezes cavalleiros,
Á Casa sancta passa o sancto Henrique, Porque o tronco dos Reis se sanctifique.
Quem he, me dize, est'outro que me espanta, (Pergunta o Malabar maravilhado) Que tantos esquadrões, que gente tanta Com tão pouca tem roto e destroçado? Tantos muros asperrimos quebranta, Tantas batalhas dá, nunca cansado, Tantas coroas tem por tantas partes A seus pés derribadas, e estandartes?
Este he o primeiro Affonso, disse o Gama, Que todo Portugal aos Mouros toma; Por quem no Estygio lago jura a Fama De mais não celebrar nenhum de Roma: Este he aquelle zeloso, a quem Deos ama, Com cujo braço o Mouro imigo doma, Para quem de seu reino abaixa os muros, Nada deixando já para os futuros.
Se Cesar, se Alexandre Rei, tiveram Tão pequeno poder, tão pouca gente,` Contra tantos imigos, quantos eram
que desbaratava este excellente; Não creas, que seus nomes se estenderam Com glorias immortaes tão largamente: Mas deixa os feitos seus inexplicaveis, Vê que os de seus vassallos são notaveis.
Este que vês olhar com gesto irado Para o rompido alumno mal soffrido, Dizendo-lhe que o exercito espalhado Recolha, e torne ao campo defendido: Torna o moço do velho acompanhado, Que vencedor o torna de vencido: Egas Moniz se chama o forte velho, Para leaes vassallos claro espelho.
Vê-lo cá vai co'os filhos a entregar-se, A corda ao collo, nu de seda e panno, Porque não quiz o moço sujeitar-se, Como elle promettera, ao Castelhano: Fez com siso e promessas levantar-se 0 cerco, que já estava soberano: Os filhos e mulher obriga á pena: Para que o senhor salve, a si condena.
Não fez o consul tanto, que cercado Foi nas forcas Caudinas de ignorante, Quando a passar por baixo foi forçado Do Samnitico jugo triumphante: Este, pelo seu povo injuriado,
A si se entrega só, firme e constante; Est'outro a si e os filhos naturais,
E a consorte sem culpa, que doe mais.
Vês este, que sahindo da cilada, Dá sobre o Rei, que cerca a villa forte; Já o Rei tem preso, e a villa descercada: Illustre feito, digno de Mavorte!
Vê-lo cá vai pintado nesta armada,
No mar tambem aos Mouros dando a morte, Tomando-lhe as galés, levando a gloria Da primeira maritima victoria:
He Dom Fuas Roupinho, que na terra E no mar resplandece juntamente, Co'o fogo, que accendeo junto da serra De Abyla, nas galés da Maura gente. Olha como em tão justa e sancta guerra, De acabar pelejando está contente: Das mãos dos Mouros entra a felice alma Triumphando nos Ceos, com justa palma.
Não vês hum ajuntamento de estrangeiro Trajo, sahir da grande armada nova, Que ajuda a combater o Rei primeiro Lisboa, de si dando sancta prova? Olha Henrique, famoso cavalleiro, A palma, que lhe nasce junto á cova: Por elles mostra Deos milagre visto: Germanos são os martyres de Christo.
Hum sacerdote vê brandindo a espada Contra Arronches, que toma por vingança De Leiria, que de antes foi tomada Por quem por Mafamede enresta a lança: He Theotonio, Prior. Mas vê cercada Santarem, e verás a segurança Da figura nos muros, que primeira Subindo ergueo das quinas a bandeira:
Vê-lo cá onde Sancho desbarata
Os Mouros de Vandalia em fera guerra, Os imigos rompendo, o alferes mata, E Hispalico pendão derriba em terra: Mem Moniz he, que em si o valor retrata, Que o sepulchro do pai co'os ossos cerra: Digno destas bandeiras, pois sem falta A contraria derriba, e a sua exalta.
Olha aquelle, que desce pela lança Com as duas cabeças dos vigias, Onde a cilada esconde, com que alcança A cidade por manhas e ousadias: Ella por armas toma a similhança Do cavalleiro, que as cabeças frias Na mão levava: feito nunca feito! Giraldo Sem-pavor he o forte peito.
Não vês hum Castelhano, que aggravado De Affonso nono Rei, pelo odio antigo. Dos de Lara co'os Mouros he deitado, De Portugal fazendo-se inimigo? Abrantes villa toma, acompanhado Dos duros infieis, que traz comsigo: Mas vê, que hum Portuguez com pouca gente O desbarata, e o prende ousadamente:
Martim Lopes se chama o cavalleiro, Que destes levar póde a palma e o louro. Mas olha hum ecclesiastico guerreiro, Que em lança de aço torna o bago de ouro: Vê-lo entre os duvidosos tão inteiro Em não negar batalha ao bravo Mouro: Olha o sinal no ceo, que lhe apparece, Com que nos poucos seus o esforço crece.
« AnteriorContinuar » |