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LXXV

Pelo que vê pergunta: mas o Gama
Lhe pedia primeiro, que se assente,

E

que aquelle deleite, que tanto ama
A seita Epicurêa, experimente.
Dos espumantes vasos se derrama
O licor, que Noé mostrara á gente:
Mas comer o Gentio não pretende;
Que a seita que seguia lho defende.

LXXVI

A trombeta, que em paz no pensamento
Imagem faz de guerra, rompe os ares:
Co'o fogo o diabolico instrumento
Se faz ouvir no fundo lá dos mares.
Tudo o Gentio nota: mas o intento
Mostrava sempre ter nos singulares
Feitos dos homens, que em retrato breve
A muda poesia ali descreve.

LXXVII

Alça-se em pé, com elle o Gama junto,
Coelho de outra parte e o Mauritano:
Os olhos põe no bellico transunto
De hum velho branco, aspeito soberano,
Cujo nome não pode ser defunto,

Em quanto houver no mundo trato humano:
No trajo a Grega usança está perfeita,
Hum ramo por insignia na direita.

LXXVIII

Hum ramo na mão tinha... Mas ó cego
Eu, que commetto insano e temerario,
Sem vós, Nymphas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão arduo, longo e vario!
Vosso favor invoco, que navego

Por alto mar, com vento tão contrario,
Que se não me ajudais, hei grande medo,
Que o meu fraco batel se alague cedo.

LXXIX

Olhai que ha tanto tempo, que cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo e novos danos:
Agora o mar, agora exp'rimentando
Os perigos Mavorcios inhumanos;
Qual Canace, que á morte se condena,

N'huma mão sempre a espada e n'outra a penna:

LXXX

Agora com pobreza aborrecida
Por hospicios alheios degradado:
Agora da esperança já adquirida,
De novo mais que nunca derribado:
Agora ás costas escapando a vida,
Que d'hum fio pendia tão delgado;
Que não menos milagre foi salvar-se,
Que para o Rei Judaico accrescentar-se.

LXXXI

E ainda, Nymphas minhas, não bastava
Que tamanhas miserias me cercassem ;
Senão que aquelles, que eu cantando andava,
Tal premio de meus versos me tornassem:
A trôco dos descansos, que esperava,
Das capellas de louro, que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.

LXXXII

Vede, Nymphas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,

Que assim sabem prezar com taes favores
A quem os faz cantando gloriosos!
Que exemplos a futuros escriptores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para pôrem as cousas em memoria,
Que merecerem ter eterna gloria!

LXXXIII

Pois logo em tantos males he forçado,
Que só vosso favor me não falleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:

Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado,

Que não no empregue em quem o não mereça,

Nem por lisonja louve algum subido,

Sob

pena de não ser agradecido.

LXXXIV

Nem creais, Nymphas, não, que fama désse
A quem ao bem commum, e do seu Rei
Antepozer seu proprio interesse,
Imigo da divina e humana lei:
Nenhum ambicioso, que quizesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercicios.
Usar mais largamente de seus vicios.

LXXXV

Nenhum que use de seu poder bastante
Para servir a seu desejo feio,

E

que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio:
Nem, Camenas, tambem cuideis que cante
Quem com habito honesto e grave, veio,
Por contentar ao Rei no officio novo,
A despir e roubar o pobre povo.

LXXXVI

Nem quem acha, que

he justo, e que he direito

Guardar-se a lei do Rei severamente,

E não acha, que he justo e bom respeito,
Que se pague o suor da servil gente:

Nem

quem sempre com pouco experto peito
Razões aprende e cuida que he prudente,
Para taixar com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios, que não passa.

LXXX VII

Aquelles sós direi, que aventuraram
Por seu Deos, por seu Rei, a amada. vida,
Onde perdendo-a, em fama a dilataram,
Tão bem de suas obras merecida.
Apollo e as Musas, que me acompanharam,
Me dobrarão a furia concedida,
Em quanto eu tomo alento descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.

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