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LIV

Esta ilha pequena, que habitamos,
He em toda esta terra certa escala
De todos os que as ondas navegamos,
De Quiloa, de Mombaça e de Sofala:
E por ser necessaria, procuramos,
Como proprios da terra, de habita-la:

E

porque tudo em fim vos notifique, Chama-se a pequena ilha Moçambique.

LV

E já que de tão longe navegais,
Buscando o Indo Hydaspe, e terra ardente,
Piloto aqui tereis, por quem sejais
Guiados pelas ondas sabiamente:
Tambem será bem feito, que tenhais
Da terra algum refresco, e que o Regente,
Que esta terra governa, que vos veja,
E do mais necessario vos proveja.

LVI

Isto dizendo, o Mouro se tornou
A seus bateis com toda a companhia:
Do Capitão e gente se apartou,
Com mostras de devida cortezia.
Nisto Phebo nas aguas encerrou
Co'o carro de crystal o claro dia,
Dando cargo á irmãa, que alumiasse
O largo mundo, em quanto repousasse.

LVII

A noite se passou na lassa frota
Com estranha alegria, e não cuidada,
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então comsigo cuida, e nota
Na gente, e na maneira desusada,
E como os que na errada seita creram,
Tanto por todo o mundo se estenderam.

LVIII

Da Lua os claros raios rutilavam
Pelas argenteas ondas Neptuninas;
As estrellas os ceos acompanhavam,
Qual campo revestido de boninas;
Os furiosos ventos repousavam
Pelas covas escuras peregrinas;
Porém da armada a gente vigiava,
Como por longo tempo costumava.

LIX

Mas assi como a Aurora marchetada
Os formosos cabellos espalhou

No ceo sereno, abrindo a roxa entrada
Ao claro Hyperionio, que acordou;
Começa a embandeirar-se toda a armada,
E de toldos alegres se adornou,
Por receber com festas, e alegria,
O Regedor das ilhas, que partia.

LX

Partia alegremente navegando,

A ver as naos ligeiras Lusitanas,
Com refresco da terra, em si cuidando,
Que são aquellas gentes inhumanas,
Que os aposentos Caspios habitando,
A conquistar as terras Asianas
Vieram; e por ordem do destino,
O Imperio tomaram a Constantino.

LXI

Recebe o Capitão alegremente
O Mouro, e toda sua companhia:
Dá-lhe de ricas peças hum presente,
Que só para este effeito já trazia:
Dá-lhe conserva doce, e dá-lhe o ardente
Não usado licor, que dá alegria.
Tudo o Mouro contente bem recebe,

E muito mais contente come e bebe.

LXII

Está a gente maritima de Luso
Subida pela enxarcia, de admirada,
Notando o estrangeiro modo e uso,
E a linguagem tão barbara e enleada.
Tambem o Mouro astuto está confuso,
Olhando a côr, o trajo, e a forte armada;
E perguntando tudo, lhe dizia

Se por ventura vinham de Turquia.

LXIII

E mais lhe diz tambem, que ver deseja
Os livros de sua lei, preceito, ou fé,
Para ver se conforme à sua seja,
Ou se são dos de Christo, como crê:

E

porque tudo note, e tudo veja,

Ao Capitão pedia, que lhe dê

Mostra das fortes armas de que usavam,

Quando co'os inimigos pelejavam.

LXIV

Responde o valeroso Capitão,

Por hum, que a lingua escura bem sabia:
Dar-te-hei, senhor illustre, relação
De mi, da lei, das armas, que trazia.
Nem sou da terra, nem da geração
Das gentes enojosas de Turquia;
Mas sou da forte Europa bellicosa,
Busco as terras da India tão famosa.

LXV

A lei tenho daquelle, a cujo imperio
Obedece o visibil e invisibil;
Aquelle que creou todo o hemispherio,
Tudo o que sente, e todo o insensibil;
Que padeceo deshonra e vituperio,
Soffrendo morte injusta e insoffribil;
E que do Ceo á terra em fim desceo,
Por subir os mortaes da terra ao Ceo.

LXVI

Deste Deos-Homem, alto e infinito,
Os livros, que tu pedes, não trazia;
Que bem posso escusar trazer escrito
Em papel, o que na alma andar devia.
Se as armas queres ver, como tens dito,
Cumprido esse desejo te seria:

Como amigo as verás; porque eu me obrigo,
Que nunca as queiras ver como inimigo.

LXVII

Isto dizendo, manda os diligentes
Ministros amostrar as armaduras:
Vem arnezes, e peitos reluzentes,
Malhas finas, e laminas seguras,
Escudos de pinturas differentes,
Pelouros, espingardas de aço puras,
Arcos, e sagittiferas aljavas,
Partazanas agudas, chuças bravas:

LXVIII

As bombas vem de fogo, e juntamente
As panellas sulphureas, tão damnosas:
Porém aos de Vulcano não consente
Que dem fogo ás bombardas temerosas;
Porque o generoso animo, e valente,
Entre gentes tão poucas, e medrosas,
Não mostra quanto póde: e com razão;
Que he fraqueza entre ovelhas ser leão.

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