A dama, como ouvio que este era aquelle Que vinha a defender seu nome e fama, Se alegra, e veste ali do animal de Helle, Que a gente bruta mais que virtude ama. Já dão signal, e o som da tuba impelle Os bellicosos animos, que inflamma: Picam d'esporas, largam redeas logo, Abaixam lanças, fere a terra fogo.
Dos cavallos o estrepito parece, Que faz que o chão debaixo todo treme: O coração no peito, que estremece De quem os olha, se alvoroça e teme: Qual do cavallo voa, que não dece; Qual co'o cavallo em terra dando, geme; Qual vermelhas as armas faz de brancas; Qual co'os pennachos do elmo açouta as ancas.
Algum d'ali tomou perpetuo sono, E fez da vida ao fim breve intervallo: Correndo algum cavallo vai sem dono, E n'outra parte o dono sem cavallo: Cahe a soberba ingleza do seu throno, Que dous, ou tres já fóra vão do vallo:
que de espada vem fazer batalha, Mais acham já que arnez, escudo e malha.
Gastar palavras em contar extremos De golpes feros, cruas estocadas, He desses gastadores, que sabemos, Mãos do tempo com fabulas sonhadas: Basta por fim do caso, que entendemos, Que com finezas altas e afamadas, Co'os nossos fica a palma da victoria, E as damas vencedoras e com gloria.
Recolhe o Duque os doze vencedores Nos seus paços, com festas e alegria: Cozinheiros occupa, e caçadores, Das damas a formosa companhia; Que querem dar aos seus libertadores Banquetes mil, cada hora e cada dia, Em quanto se detem em Inglaterra, Até tornar á doce e chara terra.
Mas dizem, que comtudo o grão Magriço, Desejoso de ver as cousas grandes, Lá se deixou ficar, onde hum serviço Notavel á Condessa fez de Frandes;
E como quem não era já noviço Em todo trance, onde tu Marte mandes, Hum Francez mata em campo, que o destino
Lá teve de Torquato e de Corvino.
Outro tambem dos doze em Alemanha Se lança, e teve hum fero desafio C'hum Germano enganoso, que com manha Não devida o quiz pôr no extremo fio. Contando assi Velloso, já a companha Lhe pede, que não faça tal desvio Do caso de Magriço, e vencimento,
Nem deixe o de Allemanha em esquecimento.
Mas neste passo assi promptos estando, Eis o mestre, que olhando os ares anda, O apito toca; acordam despertando Os marinheiros d'huma e d'outra banda:
porque o vento vinha refrescando, Os traquetes das gaveas tomar manda: Álerta, disse, estai, que o vento crece Daquella nuvem negra, que apparece.
Não eram os traquetes bem tomados, Quando dá a grande e subita procella: Amaina, disse o mestre a grandes brados, Amaina, disse, amaina a grande vela. Não esperam os ventos indignados, Que amainassem; mas juntos dando nella, Em pedaços a fazem c'hum ruido, Que o mundo pareceu ser destruido.
O Ceo fere com gritos nisto a gente, Com subito temor e desaccordo,
Que no romper da vela a nao pendente Toma grão somma d'agua pelo bordo. Alija, disse o mestre rijamente, Alija tudo ao mar, não falte accordo; Vão outros dar á bomba, não cessando: Á bomba, que nos imos alagando.
Correm logo os soldados animosos A dar á bomba, e tanto que chegaram, Os balanços, que os mares temerosos Deram á nao, n'hum bordo os derribaram: Tres marinheiros duros e forçosos, A manear o leme não bastaram;
Talhas lhe punham d'huma e d'outra parte, Se aproveitar dos homens força e arte.
Os ventos eram taes, que não poderam Mostrar mais força d'impeto cruel,
para derribar então vieram
A fortissima torre de Babel:
Nos altissimos mares, que cresceram,
A pequena grandura d'hum batel
Mostra a possante nao, que move espanto,
Vendo que se sustém nas ondas tanto.
A nao grande em que vai Paulo da Gama Quebrado leva o mastro pelo meio, Quasi toda alagada: a gente chama Aquelle que a salvar o mundo veio. Não menos gritos vãos ao ar derrama Toda a nao de Coelho com receio, Com quanto teve o mestre tanto tento, Que primeiro amainou, que desse o vento.
Agora sobre as nuvens os subiam As ondas de Neptuno furibundo: Agora a ver parece, que desciam As intimas entranhas do profundo. Noto, Austro, Boreas, Aquilo queriam Arruinar a machina do mundo: A noite negra e fea se alumia Co'os raios em que o polo todo ardia.
As Halcyoneas aves triste canto Junto da costa brava levantaram, Lembrando-se de seu passado pranto, Que as furiosas aguas lhe causaram. Os delphins namorados entretanto Lá nas covas maritimas entraram, Fugindo a tempestade e ventos duros, Que nem no fundo os deixa estar seguros.
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