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LXIII

A dama, como ouvio que este era aquelle
Que vinha a defender seu nome e fama,
Se alegra, e veste ali do animal de Helle,
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Já dão signal, e o som da tuba impelle
Os bellicosos animos, que inflamma:
Picam d'esporas, largam redeas logo,
Abaixam lanças, fere a terra fogo.

LXIV

Dos cavallos o estrepito parece,
Que faz que o chão debaixo todo treme:
O coração no peito, que estremece
De quem os olha, se alvoroça e teme:
Qual do cavallo voa, que não dece;
Qual co'o cavallo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual co'os pennachos do elmo açouta as ancas.

LXV

Algum d'ali tomou perpetuo sono,
E fez da vida ao fim breve intervallo:
Correndo algum cavallo vai sem dono,
E n'outra parte o dono sem cavallo:
Cahe a soberba ingleza do seu throno,
Que dous, ou tres já fóra vão do vallo:

Os

que de espada vem fazer batalha, Mais acham já que arnez, escudo e malha.

LXVI

Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
He desses gastadores, que sabemos,
Mãos do tempo com fabulas sonhadas:
Basta por fim do caso, que entendemos,
Que com finezas altas e afamadas,
Co'os nossos fica a palma da victoria,
E as damas vencedoras e com gloria.

LXVII

Recolhe o Duque os doze vencedores
Nos seus paços, com festas e alegria:
Cozinheiros occupa, e caçadores,
Das damas a formosa companhia;
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil, cada hora e cada dia,
Em quanto se detem em Inglaterra,
Até tornar á doce e chara terra.

LXVIII

Mas dizem, que comtudo o grão Magriço,
Desejoso de ver as cousas grandes,
Lá se deixou ficar, onde hum serviço
Notavel á Condessa fez de Frandes;

E como quem não era já noviço
Em todo trance, onde tu Marte mandes,
Hum Francez mata em campo, que o destino

Lá teve de Torquato e de Corvino.

LXIX

Outro tambem dos doze em Alemanha
Se lança, e teve hum fero desafio
C'hum Germano enganoso, que com manha
Não devida o quiz pôr no extremo fio.
Contando assi Velloso, já a companha
Lhe pede, que não faça tal desvio
Do caso de Magriço, e vencimento,

Nem deixe o de Allemanha em esquecimento.

LXX

Mas neste passo assi promptos estando,
Eis o mestre, que olhando os ares anda,
O apito toca; acordam despertando
Os marinheiros d'huma e d'outra banda:

E

porque o vento vinha refrescando, Os traquetes das gaveas tomar manda: Álerta, disse, estai, que o vento crece Daquella nuvem negra, que apparece.

LXXI

Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande e subita procella:
Amaina, disse o mestre a grandes brados,
Amaina, disse, amaina a grande vela.
Não esperam os ventos indignados,
Que amainassem; mas juntos dando nella,
Em pedaços a fazem c'hum ruido,
Que o mundo pareceu ser destruido.

LXXII

O Ceo fere com gritos nisto a gente,
Com subito temor e desaccordo,

Que no romper da vela a nao pendente
Toma grão somma d'agua pelo bordo.
Alija, disse o mestre rijamente,
Alija tudo ao mar, não falte accordo;
Vão outros dar á bomba, não cessando:
Á bomba, que nos imos alagando.

LXXIII

Correm logo os soldados animosos
A dar á bomba, e tanto que chegaram,
Os balanços, que os mares temerosos
Deram á nao, n'hum bordo os derribaram:
Tres marinheiros duros e forçosos,
A manear o leme não bastaram;

Talhas lhe punham d'huma e d'outra parte,
Se aproveitar dos homens força e arte.

LXXIV

Os ventos eram taes, que não poderam
Mostrar mais força d'impeto cruel,

Se

para derribar então vieram

A fortissima torre de Babel:

Nos altissimos mares, que cresceram,

A pequena grandura d'hum batel

Mostra a possante nao, que move espanto,

Vendo que se sustém nas ondas tanto.

LXXV

A nao grande em que vai Paulo da Gama
Quebrado leva o mastro pelo meio,
Quasi toda alagada: a gente chama
Aquelle que a salvar o mundo veio.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nao de Coelho com receio,
Com quanto teve o mestre tanto tento,
Que primeiro amainou, que desse o vento.

LXXVI

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo:
Agora a ver parece, que desciam
As intimas entranhas do profundo.
Noto, Austro, Boreas, Aquilo queriam
Arruinar a machina do mundo:
A noite negra e fea se alumia
Co'os raios em que o polo todo ardia.

LXXVII

As Halcyoneas aves triste canto
Junto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto,
Que as furiosas aguas lhe causaram.
Os delphins namorados entretanto
Lá nas covas maritimas entraram,
Fugindo a tempestade e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.

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