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XXXIX

Que se aqui a razão se não mostrasse
Vencida do temor demasiado.

Bem fôra que aqui Baccho os sustentasse, de Luso vem, seu tão privado;

Pois que

Mas esta tenção sua agora passe,

Porque em fim vem de estomago damnado; Que nunca tirará alheia inveja

O bem que outrem merece, e o Ceo deseja.

XL

E tu, Padre de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada,
Não tornes por detraz; pois he fraqueza
Desistir-se da cousa começada.
Mercurio, pois excede em ligeireza

Ao vento leve, e á setta bem talhada,
Lhe vá mostrar a terra, onde se informe

Da India, e onde a gente se reforme.

XLI

Como isto disse, o Padre poderoso,
A cabeça inclinando, consentio

No

que

disse Mavorte valeroso,

E nectar sobre todos esparzio.
Pelo caminho Lacteo glorioso
Logo cada hum dos deoses se partio,
Fazendo seus reaes acatamentos,
Para os determinados aposentos.

XLII

Em quanto isto se passa na formosa
Casa etherea do Olympo omnipotente,
Cortava o mar a gente bellicosa

Já lá da banda do Austro, e do Oriente,
Entre a costa Ethiopica, e a famosa
Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente
Queimava então os deoses, que Typheo
Co'o temor grande em peixes converteo.

XLIII

Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o Ceo tinha por amigo;
Sereno o ar, e os tempos se mostravam
Sem nuvens, sem receio de perigo:
O promontorio Prasso já passavam,
Na costa de Ethiopia, nome antigo;
Quando o mar descobrindo lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.

XLIV

Vasco da Gama, o forte capitão,
Que a tamanhas emprezas se offerece,
De soberbo, e de altivo coração,

A

quem fortuna sempre favorece: Para se aqui deter não vê razão, Que inhabitada a terra lhe parece: Por diante passar determinava;

Mas não lhe succedeo como cuidava.

TOM. VI

10

XLV

Eis apparecem logo em companhia
Huns pequenos bateis, que vem daquella
Que mais chegada á terra parecia,
Cortando o longo mar com larga vela:
A gente se alvoroça; e de alegria.
Não sabe mais que olhar a causa della.
Que gente será esta? em si diziam,
Que costumes, que lei, que Rei teriam?

XLVI

As embarcações eram na maneira
Mui veloces, estreitas e compridas;
As velas, com que vem, eram de esteira
D'humas folhas de palma bem tecidas:
A gente da côr era verdadeira,

Que Phaeton, nas terras accendidas,
Ao mundo deo, de ousado e não prudente:
O Pado o sabe, e Lampetusa o sente.

XLVII

De
pannos de algodão vinham vestidos,
De varias cores, brancos e listrados;
Huns trazem derredor de si cingidos,
Outros em modo airoso sobraçados:
Das cintas para cima vem despidos;
Por armas tem adargas e terçados:
Com toucas na cabeça; e navegando,
Anafis sonorosos vão tocando.

XLVIII

Co'os pannos, e co'os braços acenavam
Ás gentes Lusitanas, que esperassem:
Mas já as proas ligeiras se inclinavam
Para que junto ás ilhas amainassem:
A gente e marinheiros trabalhavam,
Como se aqui os trabalhos s'acabassem:
Tomam velas, amaina-se a verga alta,
Da ancora o mar ferido em cima salta.

XLIX

Não eram ancorados, quando a gente
Estranha pelas cordas já subia;
No gesto ledos vem, e humanamente
O Capitão sublime os recebia.
As mesas manda pôr em continente:
Do licor, que Lyeo prantado havia,
Enchem vasos de vidro, e do que deitam
Os de Phaeton queimados nada engeitam.

L

Comendo alegremente perguntavam,
Pela Arabica lingua, donde vinham?
Quem eram? de que terra? que buscavam?

Ou

que partes do mar corrido tinham?
Os fortes Lusitanos lhe tornavam
As discretas respostas, que convinham:
Os Portuguezes somos do Occidente,
Imos buscando as terras do Oriente.

LI

Do mar temos corrido, e navegado
Toda a parte do Antarctico, e Callisto;
Toda a costa Africana rodeado:
Diversos ceos e terras temos visto:
D'hum Rei potente somos, tão amado,
Tão querido de todos, e bemquisto,
Que não no largo mar, com leda fronte,
Mas no lago entraremos de Acheronte.

LII

E

por mandado seu buscando andamos A terra Oriental, que o Indo rega: Por elle o mar remoto navegamos, Que só dos feos phocas se navega. Mas já razão parece, que saibamos, Se entre vós a verdade não se nega, Quem sois? que terra he esta que habitais? Ou se tendes da India alguns sinais?

LIII

criou

Somos, hum dos das ilhas lhe tornou,
Estrangeiros na terra, lei e nação;
Que os proprios são aquelles, que
A natura sem lei e sem razão.
Nós temos a lei certa, que ensinou
O claro descendente de Abrahão,
Que agora tem do mundo o senhorio;
A mãi Hebrea teve, e o pai Gentio.

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