Imagens da página
PDF
ePub

XV

Como? da gente illustre Portugueza
Ha de haver quem refuse o patrio Marte?
Como? desta provincia, que princeza
Foi das gentes na guerra em toda parte,
Ha de sabir quem negue ter defeza?
Quem negue a fé, o amor, o esforço e arte
De Portuguez, e por nenhum respeito
O proprio reino queira ver sujeito?

XVI

Como? Não sois vós inda os descendentes
Daquelles, que debaixo da bandeira
Do grande Henriques, feros e valentes,
Vencestes esta gente tão guerreira?
Quando tantas bandeiras, tantas gentes
Puzeram em fugida, de maneira
Que sete illustres condes lhe trouxeram
Presos, afora a preza que tiveram?

XVII

Com quem foram contino sopeados
Estes, de quem o estais agora vós,
Por Diniz e seu filho sublimados,
Senão co'os vossos fortes pais e avós?
Pois se com seus descuidos, ou peccados,
Fernando em tal fraqueza assi vos poz,
Torne-vos vossas forças o Rei novo;
Se he certo que co'o Rei se muda o povo.

XVIII

Rei tendes tal, que se o valor tiverdes
Igual ao Rei, que agora alevantastes,
Desbaratareis tudo o que quizerdes,
Quanto mais a quem já desbaratastes:
E se com isto em fim vos não moverdes
Do penetrante medo, que tomastes,
Atai as mãos a vosso vão receio,
Que eu só resistirei ao jugo alheio.

[ocr errors]

XIX

Eu só com meus vassallos, e com esta,
(E dizendo isto arranca meia espada)
Defenderei da força dura e infesta,
A terra nunca de outrem subjugada:
Em virtude do Rei, da patria mesta,
Da lealdade, já por vós negada,
Vencerei não só estes adversarios,
Mas quantos a meu Rei forem contrarios.

XX

Bem como entre os mancebos recolhidos
Em Canusio, reliquias sós de Cannas,
Já para se entregar, quasi movidos,
Á fortuna das forças Africanas,
Cornelio moço os faz, que compellidos
Da sua espada jurem, que as Romanas
Armas não deixarão, em quanto a vida
Os não deixar, ou nellas for perdida:

XXI

Dest'arte a gente força, e esforça Nuno,
Que com lhe ouvir as ultimas razões,
Removem o temor frio, importuno,
Que gelados lhe tinha os corações:
Nos animaes cavalgam de Neptuno,
Brandindo e volteando arremessões;
Vão correndo e gritando á bóca aberta:
Viva o famoso Rei, que nos liberta.

XXII

Das gentes populares, huns approvam A guerra com que a patria se sostinha; Huns as armas alimpam e renovam, Que a ferrugem da paz gastadas tinha; Capacetes estofam, peitos provam, Arma-se cada hum como convinha; Outros fazem vestidos de mil cores, Com letras e tenções de seus amores.

XXIII

Com toda esta lustrosa companhia
Joanne forte sahe da fresca Abrantes,
Abrantes, que tambem da fonte fria
Do Tejo logra as aguas abundantes.
Os primeiros armigeros regia,

Quem para reger era os mui possantes
Orientaes exercitos sem conto,

Com

que passava Xerxes o Hellesponto:

XXIV

Dom Nuno Alvares digo, verdadeiro
Açoute de soberbos Castelhanos,
Como já o fero Hunno o foi primeiro
Para Francezes, para Italianos.
Outro tambem famoso cavalleiro,
Que a ala direita tem dos Lusitanos,
Apto para manda-los e rege-los,
Mem Rodrigues se diz de Vasconcellos.

XXV

E da outra ala, que a esta corresponde,
Antão Vasques de Almada he capitão,
Que despois foi de Abranches nobre Conde,
Das gentes vai regendo a sestra mão.
Logo na retaguarda não se esconde
Das quinas e castellos o pendão,
Com Joanne Rei forte em toda parte,
Que escurecendo o preço vai de Marte.

XXVI

Estavam pelos muros temerosas,

E de hum alegre medo quasi frias,
Rezando as mães, irmãas, damas e esposas,
Promettendo jejuns e romarias.

Já chegam as esquadras bellicosas

Defronte das imigas companhias,

Que com grita grandissima os recebem;
E todas grande duvida concebem.

XXVII

Respondem as trombetas mensageiras,
Pifaros sibilantes e atambores;
Alferezes volteiam as bandeiras,

Que variadas são de muitas cores.
Era no secco tempo, que nas eiras
Ceres o fructo deixa aos lavradores;
Entra em Astrea o Sol, no mez de Agosto;
Baccho das uvas tira o doce mosto.

XXVIII

Deo sinal a trombeta Castelhana

Horrendo, fero, ingente e temeroso:
Ouvio-o o monte Artabro; e Guadiana
Atraz tornou as ondas de medroso:
Ouvio-o o Douro e a terra Transtagana;
Correo ao mar o Tejo duvidoso;

E as mãis, que o som terribil escuitaram,
Aos peitos os filhinhos apertaram.

XXIX

Quantos rostos ali se vem sem côr,
Que ao coração acode o sangue amigo!
Que nos perigos grandes o temor
He maior muitas vezes, que o perigo:
E se o não he, parece-o; que o furor
De offender, ou vencer o duro imigo,
Faz não sentir, que he perda grande e rara,
Dos membros corporaes, da vida chara.

« AnteriorContinuar »