Estas palavras Jupiter dizia,
Quando os deoses, por ordem respondendo, Na sentença hum do outro differia, Razões diversas dando e recebendo. O padre Baccho ali não consentia No que Jupiter disse, conhecendo Que esquecerão seus feitos no Oriente, Se lá passar a Lusitana gente.
Ouvido tinha aos Fados, que viria Huma gente fortissima de Hespanha Pelo mar alto, a qual sujeitaria Da India tudo quanto Doris banha: E com novas victorias venceria
A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha: Altamente lhe doe perder a gloria,
De que Nysa celebra inda a memoria.
Vê que já teve o Indo subjugado, E nunca lhe tirou fortuna, ou caso, Por vencedor da India ser cantado De quantos bebem a agua do Parnaso: Teme agora que seja sepultado
· Seu tão celebre nome em negro vaso Da agua do esquecimento, se lá chegam Os fortes Portuguezes, que navegam.
Agora vedes bem, que commettendo O duvidoso mar n'hum lenho leve, Por vias nunca usadas, não temendo
De Africo, e Noto a força, a mais se atreve: Que havendo tanto já que as partes vendo, Onde o dia he comprido, e onde breve, Inclinam seu proposito e porfia,
A ver os berços onde nasce o dia.
Promettido lhe está do Fado eterno, Cuja alta lei não pode ser quebrada, Que tenham longos tempos o governo Do mar, que vê do Sol a roxa entrada : Nas aguas tem passado o duro inverno; A gente vem perdida e trabalhada; Já parece bem feito, que lhe seja Mostrada a nova terra, que deseja.
porque, como vistes, tem passados Na viagem tão asperos perigos, Tantos climas e ceos exp'rimentados, Tanto furor de ventos inimigos; Que sejam, determino, agasalhados Nesta costa Africana, como amigos; E tendo guarnecida a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa rota.
Estas palavras Jupiter dizia,
Quando os deoses, por ordem respondendo, Na sentença hum do outro differia, Razões diversas dando e recebendo. O padre Baccho ali não consentia No que Jupiter disse, conhecendo Que esquecerão seus feitos no Oriente, Se lá passar a Lusitana gente.
Ouvido tinha aos Fados, que viria Huma gente fortissima de Hespanha Pelo mar alto, a qual sujeitaria Da India tudo quanto Doris banha: E com novas victorias venceria
A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha: Altamente lhe doe perder a gloria,
De que Nysa celebra inda a memoria.
Vê que já teve o Indo subjugado, E nunca lhe tirou fortuna, ou caso, Por vencedor da India ser cantado De quantos bebem a agua do Parnaso: Teme agora que seja sepultado Seu tão celebre nome em negro vaso Da agua do esquecimento, se lá chegam Os fortes Portuguezes, que navegam.
Sustentava contra elle Venus bella, Affeiçoada á gente Lusitana, Por quantas qualidades via nella Da antigua tão amada sua Romana: Nos fortes corações, na grande estrella, Que mostraram na terra Tingitana; E na lingua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que he a Latina.
Estas causas moviam Cytherea;
E mais, porque das Parcas claro entende Que ha de ser celebrada a clara dea, Onde a gente belligera se estende. Assi que, hum pela infamia que arrecea, E o outro pelas honras que pretende, Debatem, e na porfia permanecem; A qualquer seus amigos favorecem.
Qual Austro fero, ou Boreas na espessura De sylvestre arvoredo abastecida, Rompendo os ramos vão da mata escura Com impeto e braveza desmedida: Brama toda a montanha, o som murmura, Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida: Tal andava o tumulto levantado,
Entre os deoses no Olympo consagrado.
Mas Marte, que da deosa sustentava Entre todos as partes em porfia; Ou porque o amor antiguo o obrigava, Ou porque a gente forte o merecia; De entre os deoses em pé se levantava: Merencorio no gesto parecia; O forte escudo ao collo pendurado Deitando para traz, medonho e irado:
A viseira do elmo de diamante Alevantando hum pouco, mui seguro, Por dar seu parecer se poz diante De Jupiter, armado, forte e duro: E dando huma pancada penetrante Co'o conto do bastão no solio puro, O ceo tremeo; e Apollo de torvado, Hum pouco a luz perdeo, como enfiado.
E disse assi: Ó Padre, a cujo imperio Tudo aquillo obedece, que creaste;
Se esta gente, que busca outro hemispherio, Cuja valia e obras tanto amaste,
Não queres que padeçam vituperio, Como ha já tanto tempo que ordenaste, Não ouças mais, pois és juiz direito, Razões de quem parece que he suspeito:
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