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XXX

Estas palavras Jupiter dizia,

Quando os deoses, por ordem respondendo,
Na sentença hum do outro differia,
Razões diversas dando e recebendo.
O padre Baccho ali não consentia
No que Jupiter disse, conhecendo
Que esquecerão seus feitos no Oriente,
Se lá passar a Lusitana gente.

XXXI

Ouvido tinha aos Fados, que viria
Huma gente fortissima de Hespanha
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da India tudo quanto Doris banha:
E com novas victorias venceria

A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha:
Altamente lhe doe perder a gloria,

De que Nysa celebra inda a memoria.

XXXII

Vê que já teve o Indo subjugado,
E nunca lhe tirou fortuna, ou caso,
Por vencedor da India ser cantado
De quantos bebem a agua do Parnaso:
Teme agora que seja sepultado

· Seu tão celebre nome em negro vaso
Da agua do esquecimento, se lá chegam
Os fortes Portuguezes, que navegam.

XXVII

Agora vedes bem, que commettendo
O duvidoso mar n'hum lenho leve,
Por vias nunca usadas, não temendo

De Africo, e Noto a força, a mais se atreve:
Que havendo tanto já que as partes vendo,
Onde o dia he comprido, e onde breve,
Inclinam seu proposito e porfia,

A ver os berços onde nasce o dia.

XXVIII

Promettido lhe está do Fado eterno,
Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
Do mar, que vê do Sol a roxa entrada :
Nas aguas tem passado o duro inverno;
A gente vem perdida e trabalhada;
Já parece bem feito, que lhe seja
Mostrada a nova terra, que deseja.

E

XXIX

porque, como vistes, tem passados
Na viagem tão asperos perigos,
Tantos climas e ceos exp'rimentados,
Tanto furor de ventos inimigos;
Que sejam, determino, agasalhados
Nesta costa Africana, como amigos;
E tendo guarnecida a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.

XXX

Estas palavras Jupiter dizia,

Quando os deoses, por ordem respondendo,
Na sentença hum do outro differia,
Razões diversas dando e recebendo.
O padre Baccho ali não consentia
No que Jupiter disse, conhecendo
Que esquecerão seus feitos no Oriente,
Se lá passar a Lusitana gente.

XXXI

Ouvido tinha aos Fados, que viria
Huma gente fortissima de Hespanha
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da India tudo quanto Doris banha:
E com novas victorias venceria

A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha:
Altamente lhe doe perder a gloria,

De que Nysa celebra inda a memoria.

XXXII

Vê que já teve o Indo subjugado,
E nunca lhe tirou fortuna, ou caso,
Por vencedor da India ser cantado
De quantos bebem a agua do Parnaso:
Teme agora que seja sepultado
Seu tão celebre nome em negro vaso
Da agua do esquecimento, se lá chegam
Os fortes Portuguezes, que navegam.

XXXIII

Sustentava contra elle Venus bella,
Affeiçoada á gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nella
Da antigua tão amada sua Romana:
Nos fortes corações, na grande estrella,
Que mostraram na terra Tingitana;
E na lingua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que he a Latina.

XXXIV

Estas causas moviam Cytherea;

E mais, porque das Parcas claro entende
Que ha de ser celebrada a clara dea,
Onde a gente belligera se estende.
Assi que, hum pela infamia que arrecea,
E o outro pelas honras que pretende,
Debatem, e na porfia permanecem;
A qualquer seus amigos favorecem.

XXXV

Qual Austro fero, ou Boreas na espessura
De sylvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura
Com impeto e braveza desmedida:
Brama toda a montanha, o som murmura,
Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
Tal andava o tumulto levantado,

Entre os deoses no Olympo consagrado.

XXXVI

Mas Marte, que da deosa sustentava
Entre todos as partes em porfia;
Ou porque o amor antiguo o obrigava,
Ou porque a gente forte o merecia;
De entre os deoses em pé se levantava:
Merencorio no gesto parecia;
O forte escudo ao collo pendurado
Deitando para traz, medonho e irado:

XXXVII

A viseira do elmo de diamante
Alevantando hum pouco, mui seguro,
Por dar seu parecer se poz diante
De Jupiter, armado, forte e duro:
E dando huma pancada penetrante
Co'o conto do bastão no solio puro,
O ceo tremeo; e Apollo de torvado,
Hum pouco a luz perdeo, como enfiado.

XXXVIII

E disse assi: Ó Padre, a cujo imperio
Tudo aquillo obedece, que creaste;

Se esta gente, que busca outro hemispherio,
Cuja valia e obras tanto amaste,

Não queres que padeçam vituperio,
Como ha já tanto tempo que ordenaste,
Não ouças mais, pois és juiz direito,
Razões de quem parece que he suspeito:

J

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