E co'a famosa gente á guerra usada Vai soccorrer o filho; e assi ajuntados, A Portugueza furia costumada
Em breve os Mouros tem desbaratados. A campina, que toda está coalhada De marlotas, capuzes variados, De cavallos, jaezes, presa rica,
De seus senhores mortos cheia fica.
Logo todo o restante se partio De Lusitania, postos em fugida: O Mir-almuminin só não fugio, Porque antes de fugir lhe foge a vida. A quem lhe esta victoria permittio Dão louvores e graças sem medida: Que em casos tão estranhos claramente Mais peleja o favor de Deos, que a gente.
De tamanhas victorias triumphava
O velho Affonso, Principe subido,
Quando quem tudo em fim vencendo andava,
Da larga e muita idade foi vencido.
A pallida doença lhe tocava
Com fria mão o corpo enfraquecido; E pagaram seus annos deste geito Á triste Libitina seu direito.
Os altos promontorios o choraram, E dos rios as aguas saudosas Os semeados campos alagaram, Com lagrimas correndo piedosas. Mas tanto pelo mundo se alargaram Com fama suas obras valerosas, Que sempre no seu reino chamarão Affonso, Affonso, os eccos: mas em vão.
Sancho, forte mancebo, que ficara Imitando seu pai na valentia,
E que em sua vida já se exp'rimentara, Quando o Betis de sangue se tingia,. E o barbaro poder desbaratara
Do Ismaelita Rei de Andaluzia,
E mais quando os que Beja em vão cercaram, Os golpes de seu braço em si provaram:
Despois que foi por Rei alevantado, Havendo poucos annos que reinava, A cidade de Sylves tem cercado, Cujos campos o barbaro lavrava:
Foi das valentes gentes ajudado Da Germanica armada, que passava, De armas fortes e gente apercebida, A recobrar Judea já perdida.
Passavam a ajudar na sancta empresa O roxo Federico, que moveo
O poderoso exercito em defesa Da cidade onde Christo padeceo;
Quando Guido, co'a gente em sêde accesa, Ao grande Saladino se rendeo
No lugar, onde aos Mouros sobejavam As aguas, que os de Guido desejavam.
Mas a formosa armada, que viera Por contraste de vento áquella parte, Sancho quiz ajudar na guerra fera, Já que em serviço vai do sancto marte: Assi como a seu pai acontecera Quando tomou Lisboa, da mesma arte, Do Germano ajudado, Sylves toma, E o bravo morador destrue è doma.
E se tantos tropheos do Mahometa Alevantando vai, tambem do forte Leonez não consente estar quieta A terra, usada aos casos de Mavorte: Até que na cerviz seu jugo metta
Da soberba Tuí, que a mesma sorte
Vio ter a muitas villas suas vizinhas,
Que por armas tu, Sancho, humildes tinhas.
Mas entre tantas palmas salteado Da temerosa morte, fica herdeiro Hum filho seu, de todos estimado, Que foi segundo Affonso, e Rei terceiro. No tempo deste aos Mouros foi tomado Alcacere do Sal por derradeiro; Porque d'antes os Mouros o tomaram, Mas agora estruidos o pagaram.
Morto despois Affonso, lhe succede Sancho segundo, manso e descuidado, Que tanto em seus descuidos se desmede, Que de outrem, quem mandava, era mandado. De governar o reino, que outro pede, Por causa dos privados foi privado; Porque, como por elles se regia, Em todos os seus vicios consentia.
Não era Sancho, não, tão deshonesto Como Nero, que hum moço recebia Por mulher, e despois horrendo incesto Com a mãi Agrippina commettia; Nem tão cruel ás gentes e molesto, Que a cidade queimasse onde vivia; Nem tão máo como foi Heliogabalo, Nem como o molle Rei Sardanapalo.
Nem era o povo seu tyrannisado, Como Sicilia foi de seus tyrannos; Nem tinha, como Phálaris, achado Genero de tormentos inhumanos: Mas o reino, de altivo e costumado A senhores em tudo soberanos, A Rei não obedece, nem consente, Que não for mais que todos excellente.
Por esta causa o reino governou O Conde Bolonhez, despois alçado Por Rei, quando da vida se apartou Seu irmão Sancho, sempre ao ocio dado. Este, que Affonso o bravo se chamou, Despois de ter o reino segurado, Em dilata-lo cuida; que em terreno Não cabe o altivo peito tão pequeno.
Da terra dos Algarves, que lhe fôra Em casamento dada, grande parte Recupera co'o braço, e deita fóra O Mouro mal querido já de Marte. Este de todo fez livre e senhora Lusitania, com força e bellica arte, E acabou de opprimir a nação forte Na terra, que aos de Luso coube em sorte.
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