O Rei de Badajoz era alto Mouro, Com quatro mil cavallos furiosos, Innumeros peões, d'armas e de ouro Guarnecidos, guerreiros e lustrosos. Mas qual no mez de Maio o bravo touro Co'os ciumes da vacca arreceosos. Sentindo gente o bruto e cego amantė, Saltea o descuidado caminhante:
Dest'arte Affonso, subito mostrado, Na gente dá, que passa bem segura: Fere, mata, derriba denodado; Foge o Rei Mouro, e só da vida cura. D'hum panico terror todo assombrado. Só de segui-lo o exercito procura; Sendo estes que fizeram tanto abalo, No mais que só sessenta de cavallo.
Logo segue a victoria sem tardança O grão Rei incansabil, ajuntando Gentes de todo o Reino, cuja usança Era andar sempre terras conquistando. Cercar vai Badajoz, e logo alcança O fim de seu desejo, pelejando Com tanto esforço e arte e valentia, Que a faz fazer ás outras companhia.
Mas o alto Deos, que para longe guarda O castigo daquelle que o merece,
para que se emende ás vezes tarda, Ou por segredos que homem não conhece: Se atéqui sempre o forte Rei resguarda Dos perigos a que elle se offerece; Agora lhe não deixa ter defesa
Da maldição da mãi, que estava presa;
Que estando na cidade, que cercara, Cercado nella foi dos Leonezes, Porque a conquista della lhe tomara, De Leão sendo, e não dos Portuguezes. A pertinacia aqui lhe custa cara, Assi como acontece muitas vezes,
Que em ferros quebra as pernas, indo acceso Á batalha, onde foi vencido e preso.
Ó famoso Pompeio, não te pene De teus feitos illustres a ruïna; Nem ver que a justa Némesis ordene Ter teu sogro de ti victoria dina; Postoque o frio Phasis ou Syene, Que para nenhum cabo a sombra inclina, O Bootes gelado, e a Linha ardente, Temessem o teu nome geralmente:
Posto que a rica Arabia, e que os feroces Heniochos e Colchos, cuja fama
O veo dourado estende; e os Capadoces, E Judea, que hum Deos adora e ama; E que os molles Sophenes, e os atroces Cilicios, com a Armenia, que derrama As aguas dos dous rios, cuja fonte Está n'outro mais alto e sancto monte;
E posto em fim que desd'o mar de Atlante Até o Scythico Tauro, monte erguido, Já vencedor te vissem; não te espante Se o campo Emathio só te vio vencido; Porque Affonso verás, soberbo e ovante, Tudo render, e ser despois rendido. Assi o quiz o Conselho alto celeste, Que vença o sogro a ti, e o genro a este.
Tornado o Rei sublime finalmente, Do divino Juizo castigado,
Despois que em Santarem soberbamente, Em vão dos Sarracenos foi cercado; E despois que do martyre Vicente O sanctissimo corpo venerado Do Sacro promontorio conhecido Á cidade Ulyssea foi trazido;
Porque levasse avante seu desejo, Ao forte filho manda o lasso velho, Que ás terras se passasse d'Alemtejo Com gente, e co'o belligero apparelho. Sancho, d'esforço e d'animo sobejo, Avante passa, e faz correr vermelho O rio, que Sevilha vai regando,
sangue Mauro, barbaro e nefando.
E com esta victoria cobiçoso, Já não descança o moço, até que veja Outro estrago, como este temeroso, No barbaro, que tem cercado Beja. Não tarda muito o Principe ditoso, Sem ver o fim daquilo que deseja. Assi estragado o Mouro, na vingança De tantas perdas põe sua esperança.
Já se ajuntam do monte, a quem Medusa
corpo fez perder que teve o ceo; Já vem do promontorio de Ampelusa, E do Tinge, que assento foi de Anteo. O morador de Abyla não se escusa; Que tambem com suas armas se moveo Ao som da Mauritana e ronca tuba
Entrava com toda esta companhia O Mir-almuminin em Portugal; Treze Reis Mouros leva de valia, Entre os quaes tem o sceptro imperial: E assi fazendo quanto mal podia, 0 que em partes podia fazer mal,. Dom Sancho vai cercar em Santarem; Porém não lhe succede muito bem.
Dá-lhe combates asperos, fazendo Ardis de guerra mil o Mouro iroso; Não lhe aproveita já trabuco horrendo, Mina secreta, ariete forçoso:
Porque o filho de Affonso, não perdendo Nada do esforço e accordo generoso,
Tudo provê com animo e prudencia;
Que em toda a parte ha esforço e resistencia.
Mas o velho, a quem tinham já obrigado
Os trabalhosos annos ao socego, Estando na cidade, cujo prado Enverdecem as aguas do Mondego, Sabendo como o filho está cercado Em Santarem do Mauro povo cego, Se parte diligente da cidade;
Que não perde a presteza co'a idade.
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