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LXVI

O Rei de Badajoz era alto Mouro,
Com quatro mil cavallos furiosos,
Innumeros peões, d'armas e de ouro
Guarnecidos, guerreiros e lustrosos.
Mas qual no mez de Maio o bravo touro
Co'os ciumes da vacca arreceosos.
Sentindo gente o bruto e cego amantė,
Saltea o descuidado caminhante:

LXVII

Dest'arte Affonso, subito mostrado,
Na gente dá, que passa bem segura:
Fere, mata, derriba denodado;
Foge o Rei Mouro, e só da vida cura.
D'hum panico terror todo assombrado.
Só de segui-lo o exercito procura;
Sendo estes que fizeram tanto abalo,
No mais
que só sessenta de cavallo.

LXVIII

Logo segue a victoria sem tardança
O grão Rei incansabil, ajuntando
Gentes de todo o Reino, cuja usança
Era andar sempre terras conquistando.
Cercar vai Badajoz, e logo alcança
O fim de seu desejo, pelejando
Com tanto esforço e arte e valentia,
Que a faz fazer ás outras companhia.

LXIX

Mas o alto Deos, que para longe guarda
O castigo daquelle que o merece,

Ou

para que se emende ás vezes tarda,
Ou por segredos que homem não conhece:
Se atéqui sempre o forte Rei resguarda
Dos perigos a que elle se offerece;
Agora lhe não deixa ter defesa

Da maldição da mãi, que estava presa;

LXX

Que estando na cidade, que cercara,
Cercado nella foi dos Leonezes,
Porque a conquista della lhe tomara,
De Leão sendo, e não dos Portuguezes.
A pertinacia aqui lhe custa cara,
Assi como acontece muitas vezes,

Que em ferros quebra as pernas, indo acceso
Á batalha, onde foi vencido e preso.

LXXI

Ó famoso Pompeio, não te pene
De teus feitos illustres a ruïna;
Nem ver que a justa Némesis ordene
Ter teu sogro de ti victoria dina;
Postoque o frio Phasis ou Syene,
Que para nenhum cabo a sombra inclina,
O Bootes gelado, e a Linha ardente,
Temessem o teu nome geralmente:

LXXII

Posto que a rica Arabia, e que os feroces
Heniochos e Colchos, cuja fama

O veo dourado estende; e os Capadoces,
E Judea, que hum Deos adora e ama;
E que os molles Sophenes, e os atroces
Cilicios, com a Armenia, que derrama
As aguas dos dous rios, cuja fonte
Está n'outro mais alto e sancto monte;

LXXIII

E posto em fim
que desd'o mar de Atlante
Até o Scythico Tauro, monte erguido,
Já vencedor te vissem; não te espante
Se o campo Emathio só te vio vencido;
Porque Affonso verás, soberbo e ovante,
Tudo render, e ser despois rendido.
Assi o quiz o Conselho alto celeste,
Que vença o sogro a ti, e o genro a este.

LXXIV

Tornado o Rei sublime finalmente,
Do divino Juizo castigado,

Despois que em Santarem soberbamente,
Em vão dos Sarracenos foi cercado;
E despois que do martyre Vicente
O sanctissimo corpo venerado
Do Sacro promontorio conhecido
Á cidade Ulyssea foi trazido;

LXXV

Porque levasse avante seu desejo,
Ao forte filho manda o lasso velho,
Que ás terras se passasse d'Alemtejo
Com gente, e co'o belligero apparelho.
Sancho, d'esforço e d'animo sobejo,
Avante passa, e faz correr vermelho
O rio, que Sevilha vai regando,

Co'o

sangue Mauro, barbaro e nefando.

LXXVI

E com esta victoria cobiçoso,
Já não descança o moço, até que veja
Outro estrago, como este temeroso,
No barbaro, que tem cercado Beja.
Não tarda muito o Principe ditoso,
Sem ver o fim daquilo que deseja.
Assi estragado o Mouro, na vingança
De tantas perdas põe sua esperança.

LXXVII

Já se ajuntam do monte, a quem Medusa

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corpo fez perder que teve o ceo; Já vem do promontorio de Ampelusa, E do Tinge, que assento foi de Anteo. O morador de Abyla não se escusa; Que tambem com suas armas se moveo Ao som da Mauritana e ronca tuba

Todo o reino.

que foi do nobre Juba.

LXXVIII

Entrava com toda esta companhia
O Mir-almuminin em Portugal;
Treze Reis Mouros leva de valia,
Entre os quaes tem o sceptro imperial:
E assi fazendo quanto mal podia,
0 que em partes podia fazer mal,.
Dom Sancho vai cercar em Santarem;
Porém não lhe succede muito bem.

LXXIX

Dá-lhe combates asperos, fazendo
Ardis de guerra mil o Mouro iroso;
Não lhe aproveita já trabuco horrendo,
Mina secreta, ariete forçoso:

Porque o filho de Affonso, não perdendo
Nada do esforço e accordo generoso,

Tudo provê com animo e prudencia;

Que em toda a parte ha esforço e resistencia.

LXXX

Mas o velho, a quem tinham já obrigado

Os trabalhosos annos ao socego,
Estando na cidade, cujo prado
Enverdecem as aguas do Mondego,
Sabendo como o filho está cercado
Em Santarem do Mauro povo cego,
Se parte diligente da cidade;

Que não perde a presteza co'a idade.

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