Ali se vem encontros temerosos, Para se desfazer huma alta serra, E os animaes correndo furiosos, Que Neptuno amostrou ferindo a terra: Golpes se dão medonhos e forçosos, Por toda a parte andava accesa a guerra: Mas o de Luso, arnez, couraça e malha Rompe, corta, desfaz, abola e talha.
Cabeças pelo campo vão saltando, Braços, pernas, sem dono, e sem sentido, E d'outros as entranhas palpitando, Pallida a côr, o gesto amortecido. Já perde o campo o exercito nefando, Correm rios do sangue desparzido, Com que tambem do campo a côr se perde, Tornado carmesi de branco e verde.
Já fica vencedor o Lusitano, Recolhendo os tropheos e presa rica: Desbaratado e roto o Mouro Hispano, Tres dias o grão Rei no campo fica. Aqui pinta no branco escudo ufano, Que agora esta victoria certifica, Cinco escudos azues esclarecidos, Em sinal destes cinco Reis vencidos.
E nestes cinco escudos pinta os trinta Dinheiros, por que Deos fôra vendido, Escrevendo a memoria en varia tinta, Daquelle de quem foi favorecido:
Em cada hum dos cinco, cinco pinta; Porque assi fica o numero cumprido, Contando duas vezes o do meio
Dos cinco azues, que em cruz pintando veio.
Passado já algum tempo, que passada Era esta grão victoria, o Rei subido A tomar vai Leiria, que tomada Fôra mui pouco havia do vencido. Com esta a forte Arronches subjugada Foi juntamente, e o sempre ennobrecido Scalabicastro, cujo campo ameno Tu, claro Tejo, regas tão sereno.
A estas nobres villas submettidas Ajunta tambem Mafra em pouco espaço, E nas serras da Lua conhecidas Subjuga a fria Cintra o duro braço: Cintra, onde as Naiádes escondidas Nas fontes, vão fugindo ao doce laço Onde amor as enreda brandamente, Nas aguas accendendo fogo ardente.
E tu, nobre Lisboa, que no mundo Facilmente das outras és princeza, Que edificada foste do facundo, Por cujo engano foi Dardania accesa : Tu, a quem obedece o mar profundo, Obedeceste á força Portugueza, Ajudada tambem da forte armada, Que das Boreaes partes foi mandada.
Lá do Germanico Albis e do Rheno, E da fria Bretanha conduzidos, A destruir o povo Sarraceno,
Muitos com tenção sancta eram partidos. Entrando a boca já do Tejo ameno, Co'o arraial do grande Affonso unidos, Cuja alta fama então subia aos ceos, Foi posto cerco aos muros Ulysseos.
Cinco vezes a Lua se escondera,
E outras tantas mostrara cheio o rosto, Quando a cidade entrada se rendera Ao duro cerco que lhe estava posto. Foi a batalha tão sanguina e fera, Quanto obrigava o firme presupposto De vencedores asperos e ousados, E de vencidos já desesperados.
Desta arte, em fim, tomada se rendeo Aquella, que nos tempos já passados Á grande força nunca obedeceo Dos frios povos Scythicos ousados, Cujo poder a tanto se estendeo,
Que o Ibero o vio, e o Tejo amedrontados; E em fim co'o Betis tanto alguns poderam, Que á terra de Vandalia nome deram.
Que cidade tão forte por ventura Haverá que resista, se Lisboa Não pôde resistir á força dura Da gente, cuja fama tanto voa? Já lhe obedece toda a Estremadura, Obidos, Alemquer, por onde soa
O tom das frescas aguas entre as pedras, Que murmurando lava, e Torres Vedras.
E vós tambem, ó terras Transtaganas, Affamadas co'o dom da flava Ceres, Obedeceis ás forças mais que humanas, Entregando-lhe os muros e os poderes: E tu, lavrador Mouro, que te enganas, Se sustentar a fertil terra queres; Que Elvas e Moura e Serpa conhecidas, E Alcacere do Sal estão rendidas.
Eis a nobre cidade, certo assento Do rebelde Sertorio antiguamente, Onde ora as aguas nitidas de argento Vem sustentar de longe a terra e a gente Pelos arcos reaes, que cento e cento Nos ares se alevantam nobremente, Obedeceo por meio e ousadia
De Giraldo, que medos não temia.
Já na cidade Beja vai tomar Vingança de Trancoso destruida Affonso, que não sabe socegar. Por estender co'a fama a curta vida: Não se lhe pôde muito sustentar A cidade; mas sendo já rendida, Em toda a cousa viva a gente irada Provando os fios vai da dura espada.
Com estas subjugada foi Palmella, E a piscosa Cezimbra, e juntamente. Sendo ajudado mais de sua estrella, Desbarata hum exercito potente: Sentio-o a villa, e vio-o o senhor della, Que a soccorre-la vinha diligente Pela fralda da serra, descuidado
Do temeroso encontro inopinado:
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