Imagens da página
PDF
ePub

XV

E em quanto eu estes canto, e a vós não posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, ·
Tomai as redeas vós do reino vosso,

Dareis materia a nunca ouvido canto:
Comecem a sentir o peso grosso
(Que pelo mundo todo faça espanto)
De exercitos, e feitos singulares,

De Africa as terras, e do Oriente os mares.

XVI

Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exicio afigurado:
Só com vos ver o barbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tethys todo o ceruleo senhorio
Tem para vós por dote apparelhado;
Que affeiçoada ao gesto bello e tenro,
Deseja de comprar-vos para genro.

XVII

Em vós se vem da Olympica morada
Dos dous Avós as almas cá famosas;
Huma na paz angelica dourada,
Outra pelas batalhas sanguinosas:
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memoria e obras valerosas:
E lá vos tem lugar no fim da idade,
No templo da suprema eternidade.

XVIII

Mas em quanto este tempo passa lento
De regerdes os povos, que o desejam;
Dai vós favor ao novo atrevimento,
Para que estes meus versos vossos sejam:
E vereis ir cortando o salso argento
Os vossos Argonautas; porque vejam
Que são vistos de vós no mar irado:
E costumai-vos já a ser invocado.

XIX

Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naos as velas concavas inchando:
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As maritimas aguas consagradas,
Que do gado de Próteo são cortadas.

XX

Quando os deoses no Olympo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em concilio glorioso,
Sobre as cousas futuras do Oriente:
Pizando o crystallino ceo formoso,
Vem pela Via Láctea juntamente,
Convocados da parte do Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante.

ΧΧΙ

Deixam dos sete ceos o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado;
Alto poder, que só co'o pensamento
Governa o ceo, a terra, e o mar irado:
Ali se acharam juntos n'hum momento
que habitam o Arcturo congelado,
E os que o Austro tem, e as partes onde
A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.

Os

XXII

Estava o Padre ali sublime e dino,
Que vibra os feros raios de Vulcano,
N'hum assento de estrellas crystallino,
Com gesto alto, severo e soberano:
Do rosto respirava hum ar divino,
Que divino tornara hum corpo humano,
Com huma coroa e sceptro rutilante
De outra pedra mais clara que diamante.

XXIII

Em luzentes assentos, marchetados

De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros deoses todos assentados,
Como a razão e a ordem concertavam:
Precedem os antiguos mais honrados;
Mais abaixo os menores se assentavam:
Quando Jupiter alto assi dizendo

C'hum tom de voz começa, grave e horrendo:

XXIV

Eternos moradores do luzente

Estellifero polo e claro assento,

Se do grande valor da forte gente
De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente,
Como he dos fados grandes certo intento,
Que por ella se esqueçam os humanos
De Assyrios, Persas, Gregos e Romanos.

XXV

Já lhe foi, bem o vistes, concedido
C'hum poder tão singelo e tão pequeno,
Tomar ao Mouro forte e guarnecido
Toda a terra, que rega o Tejo ameno:
Pois contra o Castelhano tão temido,
Sempre alcançou favor do Ceo sereno:
Assi que sempre em fim com fama e gloria
Teve os tropheos pendentes da victoria.

XXVI

Deixo, deoses, atraz a fama antiga,
Que co'a gente de Romulo alcançaram,

Quando com Viriato, na inimiga

Guerra romana tanto se afamaram: Tambem deixo a memoria, que os obriga A grande nome, quando alevantaram Hum por seu capitão, que peregrino Fingio na Cerva espirito divino.

XXVII

Agora vedes bem, que commettendo
O duvidoso mar n'hum lenho leve,
Por vias nunca usadas, não temendo

De Africo, e Noto a força, a mais se atreve:
Que havendo tanto já que as partes vendo,
Onde o dia he comprido, e onde breve,
Inclinam seu proposito e porfia,

A ver os berços onde nasce o dia.

XXVIII

Promettido lhe está do Fado eterno,
Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
Do mar, que vê do Sol a roxa entrada:
Nas aguas tem passado o duro inverno;
A gente vem perdida e trabalhada;
Já parece bem feito, que lhe seja
Mostrada a nova terra, que deseja.

E

XXIX

porque, como vistes, tem passados
Na viagem tão asperos perigos,
Tantos climas e ceos exp'rimentados,
Tanto furor de ventos inimigos;
Que sejam, determino, agasalhados
Nesta costa Africana, como amigos;
E tendo guarnecida a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.

« AnteriorContinuar »