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CAPITULO II

A costa do Brasil: 0 alto taboleiro submarino, que a envolve, e a faixa maritima com nenos de vinte metros de profundidade; o regimen dos ventos; as marés; as correntes maritimas ao largo e junto á costa; o arrasto arenoso.

O continente sul-americano, banhado pelo Oceano Atlantico, é orlado em toda a sua extensão por um planalto ou taboleiro submarino, que desse com declive muito variavel desde a linha do litoral, ao nivel do mar, até os fundos de 100 a 200 metros para em seguida precipitar-se bruscamente a mais de 2.000 metros de profundidade a longo da costa.

As curvas batymetricas où isobatas de 100 fathoms (braças inglezas de 1,83 metros) que estão parcialmente traçadas nas cartas do Almirantado Britannico, sendo as interrupções devidas, ora á insufficiencia das sondagens effectuadas por officiaes de marinha de diversos paizes, em alguns pontos, ora ao relevo mais accidentado do solo submarino, em outros logares, pódem ser consideradas como representando a aresta ou rebordo, que separa a faixa contigua ao litoral, relativamente pouco declivosa, no geral, das alcantiladas abas do taboleiro ao descer aos fundos abysssaes do Oceano.

Esse alto taboleiro, immenso podestal em que se apoia a America do Sul, no dizer do insigne escriptor e geographo francez Elisée Reclus, acha-se aliás figurado de um modo suggestivo em cartas geographicas do continente sul-americano, como as do atlas de Stieler, pelas isobatas de 1.000 a 4.000 metros, mostrando que, muito estreito na costa do Brasil, comprehendida entre as latitudes de 5o a 15° Sul, alarga-se para o Norte, sobretudo ao defrontar o golfo amazonico e para o Sul, dilatando-se consideravelmente ao passar para o litoral argentino (9).

E' uma faixa desse planalto submarino, contigua á costa, que não sómente mais interessa a navegação, quanto á derrota das embarcações ao longo e á vista della, e principalmente quanto ao ae

cesso aos portos ou a ancoradouros abrigados, accesso este mais ou menos franco, em consequencia do relevo do solo submarino, das ilhas, bancos de areia e recifes, que limitam os canaes navegaveis, como tambem entende com objectivos mais elevados, como, nos tempos historicos passados, a fundação desses portos, o subsequente povoamento do solo, o estabelecimento de lavouras, de industrias e do intercambio commercial, e na éra actual o desenvolvimento de todas estas manifestações da actividade humana, e consequente progresso do commercio e da navegação e final engrandecimento dos portos.

Consideramos esta faixa maritima, contigua á costa, limitada ás profundidades constatadas acima de 20 metros, como vêm figuradas nas cartas geographicas, em que são adoptadas as medidas do systema metrico, ou as superiores de 10 fathoms (18,3 metros), representadas nas cartas inglezas ou norte-americanas.

Nesta ordem de idéas tentaremos em seguida indicar com a exequivel approximação os contornos do planalto submarino, que acompanha a costa brasileira, e descrever muito succintamente a faixa Inaritima, a qual, com profundidades acima de 10 fathomas, ou de 20 metros, a borda em toda a extensão. Para simplificar a exposição, designaremos por taboleiro aquelle tracto submarino, e por faixa costeira esta zona litoranea.

Falhando nas cartas inglezas dados relativos aos fundos de mais de 50 fathomas ao longo da costa paráense e recorrendo por isto a uma carla da magistral obra de Elisée Reclus, na qual vem traçada a isobata de 200 metros, admittimos representar esta o contorno do taboleiro e assim achamos que este extrema a 208 kilometros, a Léste do Cabo Orange, a 325 e 283 ao NE. dos Cabos do Norte e de Magoari respectivamente; a 232 kilometros do farol da ilha de Atalaya, que assignala o ancoradouro de Salinas, e 195 kilometros das ilhas de S. João, sitas á Léste e junto ao golfo de Turi-Assú. Emquanto isto a faixa costeira correspondente tem 27 kilometros de largura em frente ao Cabo Orange, alarga-se a partir da ilha Maracá até attingir 110 kilometros de distancia do Cabo do Norte, para em seguida envolver as boccas do Amazonas, estreitar-se até 60 kilometros a NE. do Cabo Magoari, e passando ao redor da fóz do rio Pará, vir defrontar Salinas com 13 kilometros de largura; dahi em deante acompanha o litoral com 12 a 25 kilometros de distancia até tocar a entrada do golfo de Turi-Assú.

A inclinação do taboleiro, desde o Cabo Orange até a entrada do canal de Carapaporis, que separa a ilha de Maracá do continente, é muito diminuta e egual, e nenhum accidente do solo submarino vem perturbar-lhe a uniformidade. A curva de nivel de 10 metros, que acompanha de perto a de 20 metros, penetra no referido canal, o qual

offerece grandes profundidades, alcançando até 22 metros em um ponto do longo esteiro.

Do Cabo do Norte ao Banco de Bragança, o qual obstrue em parte o lado oriental da fóz do rio Pará, a amplissima faixa costeira é occupada por um banco formidavel, que é constituido pelo deposito de sedimentos acarreados pelo Rio-Mar e misturados com areias de proveniencia maritima, o qual chapadão nivelado a mais ou menos dez metros sob baixamar, e, alteando-se, vem incorporar-se ás ilhas Caviana e Mexiana. Interrompe-se este banco, onde o atravessam as principaes boccas do Amazonas: o Canal do Norte, junto á costa de Macapá e o ramo que costeia a ilha de Marajó e por fim o chenal actual do rio Pará.

A faixa costeira comprehendida entre o banco de Bragança e as ilhas de S. João é toda coalhada de ilhotas e bancos arenosos, que tornam a costa inaccessivel â navegação maritima, excepto através dos canaes que conduzem ao estuario do rio Pará, ao ancoradouro de Salinas e ás bahias em que desembocam os rios Caeté, Gurupi e Turi-Assú.

Das ilhas de S. João ao delta do rio Parnahyba o taboleiro extrema a 169 kilometros do Morro e farol de Itacolomi, a 104 da ilha de Sant'Anna e a 80 do farol de Preguiças, normalmente á costa; e, presumivelmente a 100 kilometros ao defrontar a barra de Igarassú (10).

A faixa costeira correspondente tem de 15 a 30 kilometros, excepto ao dobrar de um lado o farol de Itacolomi, onde se estreita consideravelmente até a ponta e o farol de Alcantara, já na bahia de S. Marcos, e do outro lado, onde muito se approximam os fundos de 20 metros da ilha de Sant'Anna; em frente ao farol de Tutoya estreita-se até 10 kilometros.

Innumeros bancos ou cordas, entre os quaes alguns extensissimos, occupam grande parte do amplo espaço que separa os dois faroes de Itacolomi e Sant'Anna, que é de 89,5 kilometros, como já dissemos, nomeadamente os designados pelo nome generico de Corda Grande, os quaes bancos abrangem toda a entrada da bahia de S. José, deixando alguns canacs, que se estendem a 20 kilometros, estreitando-se para o interior, com fundos de nove metros sendo que, atraz da Coroa Grande, a referida bahia é completamente obstruida por baixios, cortados por sinuosos e estreitos canaletes, só praticaveis por pequenos barcos.

Na bahia de S. Marcos, de Léste para Oeste, levantam-se entre cutros muitos, os bancos do Coral, do Meio, da Peixada e de Itacolomi; este, unido ao litoral continental e mais para o interior o de S. Marcos, unido á ilha de S. Luiz, e o da Cerca, situado em frente

á entrada para o estuario do pequeno rio Bacanga, que encerra o porto de S. Luiz do Maranhão.

Entre os canaes mais ou menos profundos que os entremeiam o principal e seguido pelos navegantes, é o que fica entre os bancos do Meio e das Almas, medindo 7,5 kilometros de largura minima entre as isobatas de cinco fathoms (9m,15), e apresentando até 45 metros de profundidade. Prosegue este canal principal para o interior, dividindo-se em dois pelo banco da Cerca e pela ilha do Medo, dos dois lados da entrada para o Bacanga; em frente a esta entrada a largura do esteiro navegavel é de mais de 10 kilometros, contada entre as isobatas de cinco fathoms, com fundos que attingem a 58 metros.

Na faixa costeira, comprehendida entre a ilha de Sant'Anna e a barra de Tutoya, poucos são os baixios exteriores, mas o litoral é todo bordado de bancos de areia, que descem para o mar, a partir das praias, com interrupções, apenas, devidas á passagem dos pequenos cursos d'agua da região. Dá-se o mesmo em frente ao alongado delta do rio Parnahyba, com a differença de serem incomparavelmente mais abundantes as aguas correntes, embora mais ou menos rasos ou obstruidos os braços, pelos quaes este rio desagua no Oceano; sómente a barra de Tutoya apresenta profundidades pouco excedentes de 5 metros em baixamar.

Da barra de Igarassú ao Cabo S. Roque falham os dados para a determinação do contorno do taboleiro; as cartas do Almirantado Britannico dão nesse trecho costeiro apenas cotas muito superiores ou inferiores a 100 f. Assim, ao Norte da ponta avançada de Jericoaquára no Ceará, está a 87 kilometros a cóta de 1.997 f. e a 84 a de 37, ao Norte do farol de Tapagé, a 80 kilometros, a de 800 f. e a 71 kilometros, a de 32; na Ponta de Mucuripe, normalmente á costa, está a 130 kilometros a cóta de 1.650 f., emquanto, no rumo ENE. a 84 kilometros, a de 391 e a 37 kilometros a de 22; na Ponta do Mel, que fica entre Mossoró e Macáo, está a 39 kilometros a de 202 f., a 37 kilometros a de 37 f.; na Ponta do Tubarão a 34 kilometros está a cóta de 126 f.; ao NNW. do Cabo Calcanhar encontra-se a 50 kilometros a de 107 f.; emquanto a Léste a 56 kilometros a de 93. E' para notar-se ao Norte desse cabo, a 88 kilometros, um ponto em que a sonda alcançou 2.711 f., ou sejam 4.960 metros de profundidade. Finalmente, a Léste do Cabo S. Roque, a 64 kilometros está a cóta 1.960 f., e a 33 kilometros a 82 f. E' pois admissivel suppôr-se que a linha de contorno do taboleiro oscille entre 34 e 85 kilometros de distancia da costa, neste trecho.

A faixa costeira correspondente, com 16 kilometros em frente á barra de Iguarassú, segue variando de largura de 22 a 31 kilometros, ao

longo da costa cearense, e estreita-se na do Rio Grande do Norte a 12 kilometros, na Ponta Redonda e a 10 kilometros em Santo Christo. Entre o farol de Olhos d'Agua, um pouco a Léste do Cabo Calcanhar, onde começa o canal de S. Roque e o cabo deste nome, onde elle termina, a largura da faixa varia de 16 a 22 kilometros.

Por fóra da faixa costeira, comprehendida entre a barra de Igarassú e a de Mossoró, não ha accidente de nota que perturbe a navegação. Em frente á Ponta Redonda, porém, existe um grupo de recifes, denominado João da Cunha, muito chegado á linha de contorno da costa, sendo que alguns cabeços desses parceis descobrem em baixamar; e mais a Léste, da Ponta do Tubarão ao farol de Santo Alberto, que é erigido junto a Ponta de Tres Irmãos, nos limites da faixa costeira, levanta-se uma série de recifes, designada com o nome de Urcas, que difficultam o accesso á costa.

Do lado de terra as condições de accidentação do solo submarino são mui diversas de um ponto ao outro da costa. Até o farol de Aracati, na barra do rio Jaguaribe, subsiste a feição littoranea do trecho precedente, em que as praias se prolongam para o largo em fórma de bancos arenosos, sem interrupções quasi, sendo que a isobata de 5 f. passa a uma distancia variavel da costa de 6,0 a 7,5 kilometros ao largo de Iguassú e de Camocim a 17 e 21 kilometros ao redor do farol de Tapagé; quasi toca a Ponta de Mucuripe e passa a 5 kilometros do farol de Aracati. Entre este ponto e a barra de Mossoró a curva de 5 f. envolve os bancos do Retiro e dos Cajuaes, passando a 22 kilometros da costa. Até ahi nenhum empecilho á navegação entre as isobatas de 5 f. e de 10 f.

Da ponta Redonda á de Tres Irmãos muda por completo a disposição do sólo submarino contigua ao littoral, ali se apresentando na extensão de 87 kilometros a cadeia de bancos de areia, parallela ao littoral, á qual já nos referimos no primeiro capitulo deste trabalho. Esta formação de corôas discontinuas fica toda aquem da curva de 5 f. a qual corre á distancia de 11 a 15 kilometros de terra, sendo que os innumeros canaes, longitudinaes e transversaes, que entremeiam as cordas, teem no maximo a profundidade de 5 metros em baixa-mar; e d'ahi resulta que os portos de Areia Branca, no rio Mossoró, e de Macáo, no Assú, não são accessiveis senão a embarcações de calado muito reduzido.

Em frente á Ponta de Tres Irmãos um extenso banco de recifes, denominado Corda da Lavandeira, atravessa obliquamente quasi toda a faixa costeira, sendo que na extremiddae desse banco as curvas de 5 e 10 f. quasi se tocam.

Entre os cabos Calcanhar e S. Roque nova modificação se apresenta. O Canal de S. Roque, que percorre este trecho, é limitado do lado de terra por uma banqueta arenosa, mais ou menos larga, que

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