Olhai que ledos vão por varias vias, Quaes rompentes leões e bravos touros, Dando os corpos a fomes e vigias, A ferro, a fogo, a settas e pelouros; A quentes regiões, a plagas frias, A golpes de Idolatras e de Mouros, A perigos incognitos do mundo, A naufragios, a peixes, ao profundo:
Por vos servir a tudo apparelhados, De vós tão longe, sempre obedientes A quaesquer vossos asperos mandados, Sem dár resposta, promptos e contentes. Só com saber que são de vós olhados, Demonios infernaes, negros e ardentes Commetterão comvosco; e não duvido Que vencedor vos fação não vencido.
Favorecei-os logo e alegrai-os Com a presença e leda humanidade; De rigorosas leis desaliv'ai-os; Que assi se abre o caminho á sanctidade: Os mais exprimentados levantai-os, Se com a experiencia tee bondade Para vosso conselho; pois que sabem
ò quando e onde as cousas cabem.
Todos favorecei em seus officios, Segundo tee das vidas o talento: Tenhão Religiosos, exercicios De rogarem por vosso regimento, Com jejuns, disciplina, pelos vicios Communs: toda ambição terão por vento; Que o bom Religioso verdadeiro Gloria vãa não pretende, nem dinheiro.
Os Cavalleiros tende em muita estima, Pois com seu sangue intrepido e fervente Estendem não somente a Lei de Cima, Mas inda vosso imperio preeminente; Pois aquelles que a tão remoto clima Vos vão servir com passo diligente, Dous inimigos vencem; huns os vivos, E, o que he mais, os trabalhos excessivos.
Fazei, Senhor, que nunca os admirados Alemães, Gallos, Italos e Inglezes Possão dizer que são para mandados, Mais que para mandar, os Portuguezes. Tomai conselhos só d'exprimentados Que vírão largos annos, largos mezes; Que postoque em scientes muito cabe, Mais em particular o experto sabe.
De Phormião philosopho elegante Vereis como Annibal escarnecia, Quando das artes bellicas diante Delle com larga voz tratava e lia. A disciplina militar prestante
Não se apprende, Senhor, na phantasia, Sonhando, imaginando, ou estudando, Senão vendo, tratando e pelejando.
Mas eu que fallo, humilde, baixo e rudo, De vós não conhecido nem sonhado? Da boca dos pequenos sei com tudo, Que o louvor sahe ás vezes acabado. Nem me falta na vida honesto estudo, Com longa experiencia misturado, Nem engenho que aqui vereis presente Cousas que juntas se achão raramente.
Para servir-vos, braço ás armas feito; Para cantar-vos, mente ás Musas dada: Só me fallece ser a vós acccito, De quem virtude deve ser prezada. Se me isto o Ceo concede, e o vosso peito Digna empresa tomar de ser cantada, Como a presaga mente vaticina, Olhando a vossa inclinação divina :
Ou fazendo que, mais que a de Medusa, A vista vossa tema o monte Atlante, Ou rompendo nos campos de Ampelusa Os muros de Marrocos e Trudante; A minha ja estimada e leda Musa, Fico que em todo o mundo de vós cante, De sorte que Alexandro em vós se veja, Sem á dita de Achilles ter inveja.
DESPRESADAS E OMITTIDAS
POR CAMÕES,
NA PRIMEIRA IMPRESSÃO DO SEU POEMA.
No Canto 1, depois da Estancia LXXVII, havia mais duas, e a mesma LXXVII com a mudança que aqui se verá :
"Isto dizendo, irado, e quasi insano, Sobre a Thebana parte descendeo, Onde vestindo a forma, e gesto humano, Para onde o sol nasce se moveo. Ja atravessa o mar Mediterrano, Ja de Cleopátra o reino discorreo; Ja deixa a mão direita os Garamantes, E os desertos de Libya circumstantės.
"Ja Meroe deixa atraz, e a terra ardente, Que o septemfluo rio vai regando, Onde reina o mui sancto Presidente, Os preceitos de Christo amoestando: Ja passa a terra de aguas carecente, Que estão as alagoas sustentando;
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