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Há no mundo papagaios
Que falam todos os dias

E nunca sofrem desmaios
Comendo grossas maquias.
Estes são de Pernambuco,
Falam muito, são mitrados;
Eu falei, mas fui maluco,

Logo paguei meus pecados.

E falam do Veneno da literatura francesa, que perde o Cérebro das meninas nervosas e aumenta o nosso CresCido número de poetas! Que se dirá dessa literatura _ pasto mental dos caixeiros de botequim, dos rapazes do povo, dos vadios, do grosso, enfim, da população? Que se dirá desses homens que vão inconscientemente ministrando em grandes doses aos Cérebros dos simples a admiração pelo esfaqueamento e o respeito da tolice?

Como eu clamasse contra essa teimosa mania de não mudar as suas predileções, um dos vendedores ambulantes, o cantante Meu Deus que noite sonorosa, esticou a perna e disse-me:

_ Talvez fosse para pior.

Parei convencido, o curso das interrogações. Já outro filósofo seu rival, Montaigne, assegurava que mudar é quase sempre uma probabilidade para o pior. Os Vendedores de testamentos passaram a vendê-los como palpites do jogo dO bicho, transformando a saracura em avestruz e a mOsca em borboleta. Os jogadores não lêem, mas arruínam as algibeiras. E de qualquer forma O mal continua a florescer neste baixo mundo, na literatura e fora dela, cOmO O mais gostoso dos bens. Se nas Obras populares aparecer alguma coisa de nOvo, com certeza teremos tOlices maiores que as anteriores

A Pintura das Ruas

Há duas coisas no mundo verdadeiramente fatigantes: ouvir um tenor célebre e conversar com pessoas notáveis. Eu tenho medo de pessoas notáveis. Se a notabilidade reside num cavalheiro dado à poesia, ele e Lecomte de Lisle, ele e Baudelaire, ele e Apolonius de Rodes desprezam a crítica e o Sr. José Veríssimo; se o sucesso acompanha o indivíduo dado à crítica, este país é uma cavalariça sem palafreneiros; e se por acaso a fama, que os romanos sábios confundiam com o falso boato, louva os trabalhos de um pintor, ele como Mantegna, ele como Leonardo Da Vinci, ele como todos os grandes, tem uma vida de tormentos, de sacrifícios, de ataque aos seus processos; e jamais se julga recompensado pelo governo, pelo país, pelos contemporâneos, de ter nascido numa terra de bugres e numa época de revoltante mercantilismo. É fatigante e talvez pouco útil. Um homem absoluta, totalmente notável só é aceitável através do cartãopostal _ porque afinal fala de si, mas fala pouco. Foi, pois, com

susto que ontem, domingo, recebi a proposta de um amigo:

_ Vamos ver as grandes decorações dos pintores da cidade?

_ Heim? Estás decididamente desvairando. As grandes decorações? Uma visita aos ateliers?

_ Não; a outros locais.
_ E havemos de encontrar celebridades?

_ Pois está claro. Não há cidade no mundo onde haja mais gente célebre que a cidade de S. Sebastião. Mas não penses que te arrasto a Ver algum Vítor Meireles, alguns Castagnetto apócrifos ou os trabalhos aclamados pelos jornais. Não! Não é isso. Vamos Ver, levemente e sem custo, os pintores anônimos, os pintores da rua, os heróis da tabuleta, os artistas da arte prática. É curiosíssimo. Há lições de filosofia nos borrões sem perspectiva e nas “botas” sem desenho. Encontrarás a confusão da populaça, os germes de todos os gêneros, todas as escolas e, por fim, muito menos Vaidade que na arte privilegiada.

Era domingo, dia em que o trabalho é castigar o corpo com as diversões menos divertidas. Saí, devagar e a pé, a visitar bodegas reles, lugares bizarros, botequins inconcebíveis, e Vim arrasado de confusão cerebral e de encanto. Quantos pintores pensa a cidade que possui? A estatística da Escola é falsíssima. Em cada canto de rua depara a gente com a obra de um pintor, cuja existência é ignorada por toda a gente.

O meu amigo começou por pequenas amostras da arte popular, que eu vira sempre sem prestar atenção: os macacos trepados em pipas de parati, homens de olho esbugalhado mostrando, sob o Verde das parreiras, a excelência de um quinto de vinho, umas mulheres com molhos de trigo na mão apainelando interiores de padarias e talvez recordando Ceres, a fecunda. Depois iniciou a parte segunda:

_ Vamos entrar agora nas Composições das marinhas. Os pintores populares afirmam a sua individualidade pintando a Guanabara e a praia de Icaraí. Por essas pinturas é que se vê quanto o “ponto de vista” influi. Há o Pão de Açúcar redondo como uma bola, no Estácio; há o Pão de Açúcar do feitio de uma valise no Andaraí; e encontras o mesmo Pão, comprido e fino, em S. Cristóvão. O povo tem uma alta noção dos nossos destinos navais; a sua opinião é exatamente a mesma que a do ministro da marinha _ rumo ao mar! Por isso, não há Guanabara pintada pelos Cenógrafos da Calçada que não tenha ã entrada da barra um vaso de guerra. A parreira Como o bêbado tem uma conclusão fatal: Carga ao mar!

_ E depois?

_ Depois entramos nas grandes telas, as grandes telas que a Cidade ignora.

Estávamos na Rua do NúnCio. O meu excelente amigo fez-me entrar num botequim da esquina da Rua de S. Pedro e os meus olhos logo se pregaram na parede da casa, alheio ao ruído, ao vozear, ao estrépito da gente que entrava e saía. Eu estava diante de uma grande pintura mural comemorativa. O pintor, naturalmente agitado pelo orgulho que se apossou de todos nós ao vermos a Avenida Central, resolveu pintá-la, torná-la imorredoura, da Rua do Ouvidor à Prainha. A Concepção era grandiosa, o assunto era vasto-o advento do nosso progresso estatelava-se ali para todo o sempre, enquanto não se demolir a

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