“desempregados”, desejando “furar” o agenciador amigo, quando não conseguem convencê-lo arranjam meio de o cacetear até que o negócio não se realize. Nessa ocasião assistimos a cenas calorosas, a conflitos sérios, em que se faz sentir a intervenção da polícia. Mas à noite, graças aos deuses, acabado o trabalho, vão todos para a venda do Antônio, à Rua da Misericórdia, beber cerveja. _ São estes então? fiz, voltando-me. _ Estes só, não. Há outros, os que fazem ponto no Largo da Batalha e rendem estes à hora do almoço e que só têm o posto depois de ter todas as notas dos tipos que estão na secretaria e tratar de enterros. _ Como os agentes de polícia? _ Tal qual. E terminam sempre com a nota policial: quarenta anos presumíveis. Rimos ambos. O sol está brilhante e o céu, inteiramente azul, dá-nos desejos de viver e de compreender a vida pelos seus mais ridentes aspectos. _ Os urubus devem ter nome? _ Têm, são urubus urbanos. Vê o senhor aquele? É o Chico Basílio. Há cerca de 30 anos exerce a profissão. Está vendo aquele grupo? Encontra lá o Brasilino, o Caranguejo, o Bilu, o Espanhol da Saúde, o Mangonga. Os outros são o Joaquim, o Tatuí, o Paulino, o Cá e Lá, o Buriti, o Manduca. Neste momento um mocinho de lápis e linguado de papel na mão indagou, entrando: _ Alguma coisa de novo? _ Sim, pode entrar. O mocinho desapareceu. O complacente informante sorria. _ Outro urubu. _ Outro? _ São os que parecem reporters. Vêm para a secretaria da Santa Casa munidos de tiras de almaço para copiar dos livros os nomes e residências das pessoas mortas, isto é, só copiam os daquelas cujo enterro custar mais de 100$. Saem daqui para o lugar indicado e ficam às portas à espera que o corpo saia, um, dois, cinco às vezes. Quando o cadáver sai e a família ainda está aos soluços, embarafustam com as amostras de luto. Contaramme que chegam à concorrência, a ver quem faz o luto em 24 horas mais em conta. Nesteserviço conheço o Ferraz, 0 Saul, 0 Guedes, o Matos, o Araújo, o Campos, o Mesquita. Eu ouvia o meu informante um pouco melanCóliCo. Que diabo! Por que urubus, naquele pedaço da Cidade que Cheira a Cadáveres e a morte? Não há terra onde prospere Como nesta a flora dos sem-ofício e dos parasitas que não trabalham. Esses sujeitinhos vestem bem, dormem bem, Chegam a ter opiniões, sistema moral, ideias políticas. Ninguém lhes pergunta a fonte inexplicável do seu dinheiro. Aqueles pobres rapazes, lutando pela vida, naquele ambiente atroz da morte, vestindo a libré das pompas fúnebres, impingindo com um sorriso ã tristeza Coroas e crepes, só para ganhar honestamente a vida, eram dignos de respeito. Por que urubus? Maçonaria da má sorte, pelotão dos tristes, seres sem o conforto de uma simpatia, no limite do nada, encarregados de fornecer os símbolos de uma dor que Cada vez a humanidade sente menos. Despedi-me, comecei a andar devagar. Um dos urubus aproximou-se. _ Estiveram contando coisas a nosso respeito? _ Não, absolutamente. _ Que se há de fazer? A comissão é tão pequena! Quando quiser uma coroa... _ Deus queira que não! fiz assustado. E apertei a mão do homem urubu com um tremor de superstição e de susto. Os Mercadores de Livros e a Leitura das Ruas Exatamente na esquina do teatro S. Pedro, há dez anos, Arcanjo, italiano, analfabeto, vende jornais e livros. É gordo, desconfiado e pançudo. Ao parar outro dia ali, tive curiosidade de ver os volumes dessa biblioteca popular. Havia algumas patriotadas, a Questão da Bandeira, o Holocausto, a d. Carmen de B. Lopes, a Vida do Mercador e de Antônio de Pádua, o Evangelho de um Triste e os Desafogos Líricos. Estavam em exposição, cheios de pó, com as capas entortadas pelo sol. _ Vende-se tudo isso? _ Oh! não. Há quase um ano que os tenho. Os outros sim _ modinhas, orações, livros de sonhos, a História da Princesa Magalona, o Carlos Magno, os testamentos dos bichos. Levantei as mãos para o céu como pedindo testemunho do alto. As obras vendáveis ao povo deste começo de século eram as mesmas devoradas pelo povo dos meados do século passado! _ Mas não é possível... |