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É pOr isso, talvez, que Os vendedores de Orações acabam mais ou menos supersticiosos dessa superstição teimosa que acredita apesar de tudo; é por isso que um pobrezinhO vendedor dessas fantasias dO pavor ignorante não sai de casa sem recitar à estrela dos pastores estas precavidas frases:

Desta casa me aparto em bOa paz boa viagem. Deus adiante, a bela cruz atrás eu no meio, altos e montes para mim sejam. Oremos bocas de cães e lObOs sejam fechadas, tenham Olhos e não me vejam, tenham pernas e não me sigam tenham boca e não me falem, tenham braços e não me peguem, tão guardado me Vejam como a Virgem Maria guardou o seu amado filho desde as portas de Belém até Jerusalém. _ Amén...

Os Urubus

_ Estou esperando!

_ Não quero!

_ Deixá-lo passar!

_ Naufragou!

_ Eu vinha vindo com o frescor da manhã por aquele trecho da praia de Santa Luzia, tão suave e tão formoso, onde se amontoam as coisas lúgubres da cidade _ a Santa Casa, o Necrotério, o serviço de enterramentos. Entre as árvores fronteiras ao hospital vendedores ambulantes vociferavam os pregões de canjica, de mingau, de pães doces; dos bondes pejados de gente saltavam criaturas doentes, paralíticas algumas, de óculos outras. Pelas escadas de pedra lavada formigava constantemente a turba doente, mostrando as mazelas, como um insulto e uma afronta aos que estavam sãos, entre os enfermeiros do hospital, de calça de zuarte azul e dólmã pardo, nédios e sadios. Eu Vinha precisamente pensando como gozam saúde os enfermeiros, e aquelas frases maçônicas fizeram-me mal. Parei, consultei o relógio. Os quatro tipos não se ralavam mais com a minha presença. Dois olhavam com avidez os bondes que vinham da Rua do Passeio; dois estavam totalmente voltados para o lado da Faculdade. Ao aparecer um bonde, um magrinho bradou:

_ Largo!

Prestei atenção. Do tramway em movimento saltou um cavalheiro defronte do Necrotério.

_ De cima! bradou outro tipo.

_ Ultima! regougou o terceiro.

E cercaram o cavalheiro.

_ V. Sa. há de aceitar um cartãozinho da nossa casa. Não precisa de se incomodar. Tratamos de tudo! Faça negócio comigo!

A um tempo falavam todos, e o cavalheiro, coberto de luto, com o lenço empapado de suor e de lágrimas, murmurava, como se estivesse a receber pêsames:

_ Muito obrigado! Muito obrigado!

Aproximei-me de um dos funcionários do serviço mortuário.

_ Que espécie de gente é essa?

_ Oh! não conhece? São os urubus!

_ Urubus?

_ Sim, os corvos.. . E o nome pelo qual são conhecidos aqui agenciadores de coroas e fazendas para luto. Não é muito numerosa a Classe, mas que faro, que atividade!

Totalmente interessado, tive uma dessas exclamações de pasmo que lisonjeiam sempre os informantes e nada exprimem de definitivo. E sorriu, tossiu e falou. Foi prodigioso.

_ Os agenciadores de coroas levantam-se de madrugada e Compram todos os jornais para ver quais os homens importantes falecidos na véspera. Defunto pobre não precisa de luxo, e coroa é luxo. Logo que tomam as notas disparam para a casa do morto e propõem adiantar o que for necessário para o enterro, com a condição de se lhes Comprarem as Coroas. Algumas Casas têm mesmo nos Cartões os seguintes dizeres _ encarregam-se de tratar de enterros sem Cobrar Comissão de espécie alguma. E os títulos dessas Casas davam para um tratado de psicologia recreativa. Há os poéticos os delicados, os floridos, os babosos, os fúnebres _ “Tributo da Saudade, “Coroa de Violetas”, “Flor

de Lis”, “Bogari”, “A Jardineira”, “Coroa de Rosas”... _ Mas...e estes homens aqui?

_ Estes homens são Os urubus de Santa Luzia, serviço especial

e maçônico. Três ficam a entrada principal da Santa Casa. Quando avistam um tipo, brada o primeiro: estou esperando!

Se o tipo não tem cara de enterro: não quero! Deixá-lo passar. Se O homem vem de tílburi, correm até aqui a acompanhá-lo... Se o tílburi segue, bradam: naufragou! E voltam aO lugar dOnde não saíram os Outros. É interessante Ouvir-lhes o diálogo. Tu é que não cOrreste! Conheço O homem; antes fosse, era meu o negócio...

_ Mas é horrível!

_ E a vida, meu caro. Aqui estacionam sete agentes; o assalto ao freguês vai pela vez, cOmO aos sábados, nOs barbeiros. Quatro oferecem grinaldas aos passageiros que saltam dOs bondes; três aos que vêm a pé. Ao ver o bando ao longe há a frase: De cima! que é o sinal. DO lado de lá! quando ele salta dO lado oposto. Última! quando salta no Necrotério. um dos urubus acerta, grita: Estou empregado! E feito O negócio O Outro avança, dizendo: Grinalda! para obter como resposta: A tua é minha...

Quando aparece pOr acaso algum freguês conhecido de um agenciadores dá-se O “combate”. Os três que ficaram

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