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Onipotente Deus, que ao Vosso bem-aventurado mártir S. Lourenço destes esforço para triunfar dos incêndios e dos seus tormentos, Concedei que se extinga em nós o fogo...

Ah! Deus de bondade! esta pobre senhora, assim velha e assim solteira, está muito mal!

S. Luis e S. Lourenço, entretanto, gozam da relativa liberdade de vir quando querem. Santo Onofre porém, pequeno e barbadinho, vive estrangulado no Cós das saias das senhoras para ouvir todas as manhãs esta suprema ironia súplice:

Meu glorioso Santo Onofre bispo, Confessor de meu senhor Jesus Cristo, em Roma fostes aos pés do padre santo vos ajoelhar, pedistes pão para as solteiras, pão para as Casadas, pão para as viúvas, pão para as donzelas. Pedi para mim também que sou sua inquilina. Meu glorioso Santo Onofre, vos peço que me deis comida para comer, roupa para Vestir, dinheiro para gastar e graça para Vos servir. Amém!

E Santo Onofre não protesta, não grita, não foge, Como S. Silvestre, educado na humildade evangélica, tolera este lamentável pedido:

Valha-me o senhor S. Silvestre, pelas três camisas que Veste, no ano de trinta e sete, matastes e feristes e abrandastes os Corações dos mouros, as bocas das serpentes. Assim eu abrandarei o Coração dos meus inimigos que Venham ajoelhar-se aos meus pés, porque Deus que é Deus pode e acaba com tudo que quer, traga teu coração debaixo de teu pé esquerdo...

Que diz o venerável Santo a esse coração sem concordância prOnOminal metido miseravelmente debaixo de um pé? Talvez nem saiba a mísera crendice, e ande lá por cima nO azul, esquecido da maldade humana...As almas, apesar de benditas, porém, já por aqui andaram, já sentiram o amor, O ciúme e o medo, e a Oração que as incensa é também velhaca e cheia de sandices:

Minhas almas santas benditas, aquelas que são do mesmo senhor Jesus Cristo, por aquelas que morreram enforcadas, por aquelas três almas que morreram degoladas, por aquelas três almas que morreram a ferro frio, juntas todas três, todas seis a todas nove, para darem três pancadas nO cOraçãO dOs inimigos, que eles ficarão humildes a mim debaixo de paz e consolação, a ponto de terem olhOs e não me ver, pernas e não me alcançarem, braços e não me agarrarem _ para sempre e sem fim.

Os homens, à solta, no recato das alcOvas deliram calmamente. Há gente que antes de sair reza a oração de S. Jorge, para não ser ofendida pelos seus inimigos, e a de Santa Catarina para alcançar o perdão dos pecados; há senhoras que aspergem Os cantos da casa com água benta, dizendo a oração da bênção das casas, que consta de 382 palavras, e a oração de Santo Anastácio contra Os demônios; há seres pensantes que trazem aO pescoço a oração de S. Roberto contra Os feitiços, oração que, segundo o editor, estava junto a uma “milagrosa carta, achada em um lugar três léguas distante de S. Marcos, escrita com letras de Ouro e pela mão de Deus Nosso Senhor, Filho da Virgem Maria”!

E pois natural que as almas não se ofendam com um mau pedido e que S. Marcos _ pobre santo! sorria quando ouvia à meia-noite esta tremenda oração brava, que lembra as cenas de enfeitiçamento medievo:

Chamo S. Marcos e S. Manços e seu confidente o anjo mau em meu auxílio para se apoderar do meu espírito e vida, juntamente com a pessoa que desejo fazer o mal, ou bem e com o dedo polegar da mão esquerda faço três vezes o Sinal da Cruz e com uma faca de ponta espetada na porta da rua ou mesa, com um lenço ou guardanapo bem alvo direi as seguintes palavras: Cristo morreu, Cristo sofreu, Cristo padeceu: assim peço-vos meu glorioso São Marcos e São Manços que sofra e padeça os maiores tormentos e torturas deste mundo a pessoa que eu quero para mim e pegando na faca com toda a fé e coragem que me dá esta Oração darei quatro golpes na porta, ou mesa e pela quarta vez chamarei São Marcos e São Manços e o anjo mau, para me dar força e coragem de dizer: “Credo em Cruz” em círculo onde se acha a faca! Amém.”

Oh! o poder da palavra pronunciada misteriosamente! Os homens de todos os países, de todas as terras têm-lhe um terror sagrado. Essas orações ainda guardam um sentido mais ou menos claro. A maior parte porém é apenas um estranho jogo de disparates, uma trapalhada alucinante. Há uma oração contra o

sol, que ao lê-la sente a gente a vertigem do desequilíbrio:

Deus quando pelo mundo andou muito sol e calor apanhou, encontrou com Nossa Senhora com que o sol se tiraria com um guardanapo de olhos e copo d,água fria. Sim, como falo verdade torna o sol a seu lugar, vai esta senhora pelo mar abaixo com o copinho de água fria, o mal que ela tem no corpo e na cabeça tire de Deus e da Virgem Maria.

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E exatamente a maneira rítmica, o disparate deduzido dos literatos do Hospício e até hoje, se eu percebi que tais palavras são contra o calor, não me foi possível ainda saber o que quer dizer esta formidável oração do mar sagrado:

Mar sagrado, eu te venho salvar, a tua água te venho pedir para fortuna por Deus para minha casa levar; para que me dê ouro para guardar e prata para gastar, cobre para dar aos pobres.

Como exemplo de estilo desvairado há, entretanto, outras quase tão lindas como as poesias nefelibatas, pela sua dolorosa e obtusa ingenuidade. Está neste caso “O Perdão Eterno.”

S. José que caminhava com a Virgem Maria
Tanto caminha de noite como de dia

Abre a porta porteiro

Que aqui está a Virgem Maria

Não quis parir na cama

Nem na cortina.

Pariu na manjedoura

Onde o bento boi comia.

Desceram os anjos dos céus, cantando Ave Maria

Subiu para o céu rezando Santa Maria.

O eterno lhe perguntou, como ficou a parida?
Ficou coberto de ouro o seu bento filho

E o berço em que ele embalava era de ouro e latão
Aqui se acaba esta santa oração.

Quem esta oração rezar 7 sexta-feira, da paixão,

E outras tantas Carnais,

Tem cem anos de perdão,

Se for seu pai, sua mãe, mais toda a sua geração.

Há na Ilíada um trecho muito Citado e rico de verdades. Homero fala das orações e diz “As orações são filhas do grande Zeus, filho de Cronos. Capengas, zarolhas, feiarronas ocupam-se em seguir a fatalidade. A fatalidade é robusta e ágil. Vai muito adiante fazendo aos homens um mal que as orações remedeiam.” É destino do homem rezar, pedir o auxílio do desconhecido para o bem e para o mal, é sina deste pobre animal, mais carregado de trabalhos que qualquer outro bicho da terra ou do mar, ter medo e desconfiar das próprias forças. A fatalidade o vai conduzindo por Caminhos que são despenhadeiros às vezes e campos de risos raramente. O homem chora, ergue os olhos para o azul do céu, a menor das suas ilusões povoa-o de forças invisíveis e fala, e pede, e suplica. Que importa que diga tolices ou frases lapidares, horrores ou pensamentos suaves? E preciso remediar a fatalidade.

E é por isso que enquanto existir na terra um farrapo de humanidade, esse farrapo será um moinho de orações.

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