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ignorada, que, Como todas as profissões, tem também malandros.

Então Eduardo sentenciou.

_ Tu não conhecias as pequenas profissões do Rio. A vida de um pobre sujeito deu-te todos esses úteis conhecimentos. Mas, se esse pobre sujeito não fosse um malandro, não Conhecerias da profissão até mesmo os birbantes.

A moral é uma questão de ponto de vista. Para julgar os homens basta a gente defini-los segundo os seus sucessivos estados. Se te aprouver definir os profissionais humildes pela tua última impressão, emprega os mesmos versos de Guevara com uma pequena modificação:

Estos son algunos hombres
De obligaciones, que pasan
Necesidad, y procuran

De esta suerte remediarla

Corriendo por los caminos...

Os Tatuadores

_ Quer marcar?

Era um petiz de doze anos talvez. A roupa em frangalhos, os pés nus, as mãos pouco limpas e um certo ar de dignidade na pergunta. O interlocutor, um rapazola louro, com uma dourada carne de adolescente, sentado a uma porta, indagou:

_ Por quanto?

_ E conforme, continuou o petiz. E inicial ou coroa?

_ E um coração!

_ Com nome dentro?

O rapaz hesitou. Depois:

_ Sim, com nome: Maria Josefina.

_ Fica tudo por uns seis mil réis.

Houve um momento em que se discutiu o preço, e o petiz estava inflexível, quando vindo do quiosque da esquina um outro se acercou.

_ O moço, faço eu; não escute embromações!

_ Pagará o que quiser, moço.

O rapazola sorria. Afinal resignou-se, arregaçou a manga da camisa de meia, pondo em relevo a musculatura do braço. O petiz tirou do bolso três agulhas amarradas, um pé de cálix com fuligem e começou o trabalho. Era na Rua Clapp, perto do cais, no século A tatuagem! Será então verdade a frase de Gautier: “o mais bruto homem sente que o ornamento traça uma linha indelével de separação entre ele e o animal, e quando não pode enfeitar as próprias roupas recama a pele”?

A palavra tatuagem é relativamente recente. Toda a gente sabe que foi o navegador Loocks que a introduziu no ocidente, e esse escrevia tattou, termo da Polinésia de tatou ou to tahou, desenho. Muitos dizem mesmo que a palavra surgiu no ruído perceptível da agulha da pele: tac, tac. Mas como é ela antiga! O primeiro homem, decerto, ao perder o pêlo, descobriu a tatuagem.

Desde os mais remotos tempos vêmo-la a transformar-se: distintivo honorífico entre uns homens, ferrete de ignomínia entre outros, meio de assustar o adversário para os bretões, marca de uma classe para selvagens das ilhas Marquesas, vestimenta moralizadora para os íncolas da Oceânia, sinal de amor, de desprezo, de ódio, bárbara tortura do Oriente, baixa usança do Ocidente. Na Nova Zelândia é um enfeite; a Inglaterra universaliza o adorno dos selvagens que colhem o phormium tenax para lhe aumentar a renda, e Eduardo Com a âncora e o dragão no braço esquerdo é só por si um problema de psicologia e

de atavismo.

Da tatuagem no Rio faz-se o mais variado estudo da Crendice. Por ele se reconstrói a vida amorosa e social de toda a Classe humilde, a classe dos ganhadores, dos viciados, das fúfias de porta aberta, cuja alegria e cujas dores se desdobram no estreito espaço das alfurjas e das Chombergas, Cujas tragédias de amor morrem nos Cochicholos sem ar, numa praga que se faz de lágrimas. A tatuagem é a inviolabilidade do Corpo e a história das paixões. Esses riscos nas peles dos homens e das mulheres dizem as suas aspirações, as suas horas de ócio e a fantasia da sua arte e a Crença na eternidade dos sentimentos _ são a exteriorização da alma de quem os traz.

Há três casos de tatuagem no Rio, Completamente diversos na sua significação moral: os negros, os turcos Com o fundo religioso e o bando das meretrizes, dos rufiões e dos humildes, que se marcam por Crime ou por ociosidade. Os negros guardam a forma fetiche; além dos golpes sarados Com o pó preservativo do mau olhado, usam figuras Complicadas. Alguns, como o Romão da Rua do Hospício, têm tatuagens feitas há Cerca de vinte anos, que se Conservam nítidas, apesar da sua Cor _ com que se confunde a tinta empregada.

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