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francês.

_ Dá-me uma cigarreta, fez Com O seu melhor sorriso. Turco? Ily a longtemps!... Oh! Oh! fuma gianaclis?

ArredOu as latas, puxou a traparia e Os sacos com o ar de mímica Daynès Grassot.

_ Afaste O mendigo, disse baixo, e para a soleira suja: Asseyez-vous. Vous êtes journaliste?

Eu vinha encontrar à espera dos restos de pão uma das mundanas do Alcazar; eu estava falando com Françoise D,Albigny; a Fran, a levada Fran, que tivera carros e agora discorria, com um arzinho postiçO, da Suzane Castera, de um deputado dO norte que ainda hoje figura na Câmara, de um conhecido jornalista seu amigo!

_ Desgraças, mon petit! Tenho 65 anos. Casei, sabes, uma loucura! Casei com Maconi, que me pôs neste estado!

Representando logo, o pobre trapO da luxúria elegante, bateume a caixa de cigarretas e dinheiro, que com um sorriso atroz dizia ser para bonbons.

Eram dez horas da noite. O dOnO do quiosque fechava as persianas, apagando Os bicos de gás. E, vendo-a naquele gOzO, na pantomima do prazer, berrou, de longe:

_ Eh! lá, lambisgoia velha, se não te apressas não levas o pão!

Os que Começam...

Não há decerto exploração mais dolorosa que a das crianças. Os homens, as mulheres ainda pantomimam a miséria para lucro próprio. As crianças são lançadas no ofício torpe pelos pais, por criaturas indignas, e crescem com o Vício adaptando a curvilínea e acovardada alma da mendicidade malandra. Nada mais pavoroso do que este meio em que há adolescentes de dezoito anos e pirralhos de três, garotos amarelos de um lustro de idade e moçoilas púberes sujeitas a todas as passividades. Essa criançada parece não pensar e nunca ter tido vergonha, amoldadas para o crime de amanhã, para a prostituição em grande escala. Há no Rio um número considerável de pobrezinhos sacrificados, petizes que andam a guiar senhoras falsamente cegas, punguistas sem proteção, paralíticos, amputados, escrofulosos, gatunos de sacola, apanhadores de pontas de cigarros, crias de famílias necessitadas, simples Vagabundos à espera de complacências escabrosas, um mundo vário, o olhar de crime, o broto das árvores que irão obumbrar as galerias da detenção, todo um exército de desbriados e de bandidos, de prostitutas futuras, galopando pela cidade à cata do pão para os exploradores. Interrogados, mentem a princípio, negando; depois exageram as falcatruas e acabam a chorar, contando que são o sustento de uma súcia de criminosos que a polícia não persegue.

A metade desse bando conhece as leis do prefeito, os delegados de polícia e acompanha o movimento da política indígena, oposicionista e vendo em Cada homem importante uma roubalheira. São em geral os mendigos Claramente defeituosos a que falta uma perna, um braço.

A perda que os tornou inválidos é uma espéCie de feliCidade, a indolência e o sustento garantidos.

A beira das Calçadas o dia inteiro têm tempo de se tornarem homens e de ler os jornais. Fazem tudo isso com vagar. Quando um ponto se torna insustentável vão para outros, e há entre eles relações, morfeias que se ligam às úlceras, olhos em pus que olham com ternura companheiros sem braços, e todos guardando a data do desastre que os mutilou, que os fez entrar para a nova Vida com a saudade da Vida passada.

Fui encontrar na ponte das barcas Ferry alguns de volta de Niterói. Vinham alegres, batendo com as muletas, a sacolejar os fartos sacos, na tarde álgida. Só nessa tarde interroguei seis: Francisco, antigo peralta da Saúde; Antônio, jovem de dezoito anos, que, graças à falta de uma perna, trabalha desde os doze; Pedro, pardinho Crispinhento, que ri como um suíno e é o curador de uma senhora idosa; João Justino, sem um braço, e pequenos Felismino e Aurélio. Voltavam de mendigar.

Francisco é atroz. Míope, com a cara cheia de sulcos, a boca enorme e sem dentes, fuma cigarros empapados de saliva e tagarela sem descontinuar.

_ Qual! Niterói não dá nada. Às vezes tenho que pedir emprestado para vOltar. O xará não permite porém mendigo sem realejo. Eu sou fino. Vou para Outro lugar.

_ Quantas vezes estiveste na cadeia?

_ Eu? não senhor! nunca! É verdade que uma vez fui preso por um inspetor viciado... Mas nãO estava fazendo nada. Também não me incomodo. Vou, torno a sair. E, sem transição: não imagina as vezes que tenho sidO pegado. O Dr. Paula Pessoa, quando era delegado, já dizia: para pegar essas inutilidades? E eu só esperando. Olhe _ morrer de fOme é que eu não morro.

_ Então já estiveste preso?

f

Quantas vezes! É preferível a cadeia aO tal Asilo. Antônio e outro gênero, O gênero dulçOrosO, cheio de humildades açucaradas. Repete logo cOmO uma nota policial O esmagamento da perna. Foi a 11 de novembro de 1897, na esquina da Rua da Uruguaiana. Caiu às 2 e 20 da tarde, quando passava O bonde chapa tanto.

E diz essas coisas vagamente magoado como se chorasse sem sentir. Mas mente, inventa nomes, faz-me jurar que não lhe farei

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