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extinção dos tais pequenos roubos, que antigamente eram comuns, merece um cuidado extremado da União,e todos os sócios, tendo como diretores Bento José Machado, Antônio da Cruz, Santos Valença, Mateus do Nascimento, Jerônimo Duval, Miguel Rosso e Ricardo Silva, esforçam-se, estudam, sacrificamse pelo bem geral.

Que querem eles? Apenas ser considerados homens dignificados pelo esforço e a diminuição das horas de trabalho, para descansar e para viver. Um deles, magro, de barba inculta, partindo um pão empapado de suor que lhe gotejava da fronte, falou-me, num grito de franqueza:

_ O problema social não tem razão de ser aqui? Os senhores não sabem que este país é rico, mas que se morre de fome? E mais fácil estourar um trabalhador que um larápio? O capital está nas mãos de grupo restrito e há gente demais absolutamente sem trabalho. Não acredite que nos baste o discurso de alguns senhores que querem ser deputados Vemos claro e, desde que se começa a ver claro, o problema surge complexo e terrível. A greve, o senhor acha que não fizemos bem na greve? Eram nove horas de trabalho. De toda a parte do mundo os embarcadiços diziam que trabalho da estiva era só de sete!

Fizemos mal? Pois ainda não temos o que desejamos.
A máquina, no convés, recomeçara a trabalhar.

_ Os patrões não querem saber se ficamos inúteis pelo excesso de serviço. Olhe, vá à Marítima, ao Mercado. Encontrará muitos dos nossos arrebentados, esmolando, apanhando os restos de comida. Quando se aproximam das casas às quais deram toda a Vida correm-nos!

Que foi fazer lá? Trabalhou? Pagaram-no; rua! Toda a fraternidade universal se cifra neste horror!

Do alto caíram cinco sacas de café mal presas à corrente. Ele sorriu, amargurado, precipitou-se, e, de novo, ouviu-se o pavor do guincho sacudindo as correntes donde pendiam dezoito homens estrompados. Até à tarde, encostado aos sacos, eu vi encher a Vastidão do porão bafioso e escuro. Eles não pararam. Quando deu cinco horas um de barba negra tocou-me no braço:

_ Por que não se Vai? Estão tocando a sineta. Nós ficamos para o serão à noite... Trabalhar até à meia-noite.

Subi. Os ferros retiniam sempre a música sinistra. Encostados à amurada, damas roçagando sedas e cavalheiros estrangeiros de smoking, debochavam, em inglês, as belezas da nossa baía; no bar, literalmente cheio, ao estourar do champagne, um moço Vermelho de álcool e de calor levantava um copo dizendo:

_ Saudemos o nosso caro amigo que Paris receberá...

Em derredor do paquete, lanchas, malas, cargas, imprecações, gente querendo empurrar as bagagens, carregadores, assobios,

um brouhaha formidável.

Um cavalheiro cheio de brilhantes, no portaló, perguntou-me se eu não vira a Lola. Desci, meti-me num bote, fiz dar a volta para ver mais uma vez aquela morte lenta entre os pesos. A tarde caíra completamente. Ritmados pelo arrastar das correntes, os quatro homens, dirigidos do Convés do steamer, Carregavam, tiravam sempre de dentro do saveiro mais sacas, sempre sacas, com as mãos disformes, as unhas roxas, suando, arrebentando de fadiga.

Um deles, porém, rapaz, quando o meu bote passava por perto do saveiro, curvou-se, Com a fisionomia angustiada, golfando sangue.

_ Oh! diabo! fez o outro, voltando-se. O José que não pode mais!

A Fome Negra

De madrugada, escuro ainda, ouviu-se O sinal de acordar. Raros ergueram-se. Tinha havido serão até a meia-noite. Então, o feitor, um hOmem magro, cOrcOvadO, de tamancos e beiçOs finos, O feitor, que ganha duzentos mil réis e acha a vida um paraíso, O sr. Correia, entrou pelo barracão Onde a manada de homens dormia com a rOupa suja e ainda empapada do suor da noite passada.

_ Eh! lá! rapazes, acorda! Quem não quiser, roda. Eh lá! Fora!

Houve um rebuliço na furna sem ar. Uns sacudiam os Outros amedrOntadOs, com Os Olhos só a brilhar na face cor de ferrugem; outros, prostrados, nada Ouviam, com a boca aberta, babando.

_ Ó João, olha O café.

_ Olha o café e olha O trabalho! Ai, raios me partam! Era capaz de dormir até amanhã.

Mas, já na luz incerta daquele quadrilátero, eles levantavam-se, impelidos pela necessidade como as feras de uma ménagerie ao chicote do domador. Não lavaram o rosto, não descansaram. Ainda estremunhados, sorviam uma água quente, da cor do pó que lhes impregnava a pele, partindo o pão com escaras da mesma fuligem metálica, e poucos eram os que se sentavam, com as pernas em compasso, tristes.

Estávamos na ilha da Conceição, no trecho hoje denominado _ a Fome Negra. Há ali um grande depósito de manganês e, do outro lado da pedreira que separa a ilha, um depósito de carvão. Defronte, a algumas braçadas de remo, fica a Ponta da Areia com a Cantareira, as obras do porto fechando um largo trecho coalhado de barcos. Para além, no mar tranquilo, outras ilhas surgem, onde o trabalho escorcha e esmaga centenas de homens.

Logo depois do café, os pobres seres saem do barracão e vão para a parte norte da ilha, onde a pedreira refulge. Há grandes pilhas de blocos de manganês e montes de piquiri em pó, em lascas finas. No solo, coberto de uma poeira negra com reflexos de bronze, há rails para conduzir os vagonetes do minério até ao lugar da descarga. O manganês, que a Inglaterra cada vez mais compra ao Brasil, vem de Minas até ã Marítima em estrada de ferro; daí é conduzido em batelões e saveiros até às ilhas Bárbaras e da Conceição, onde fica em depósito.

Quando chega vapor, de novo removem o pedregulho para os saveiros e de lá para o porão dos navios. Esse trabalho é contínuo, não tem descanso. Os depósitos cheios, sem trabalho de carga para os navios, os trabalhadores atiram-se à pedreira, à rocha viva. Trabalha-se dez horas por dia com pequenos intervalos para

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