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barato; coralinas, lápis-lazúli, turquesas falsas. Quantos sacrifícios essa limpeza não representa? Quantas concessões não atestam, talvez, os modestos pechisbeques!

Elas acordaram cedo, foram trabalhar. Voltam para o lar semconforto, com todas as ardências e os desejos indomáveis dos Vinte anos.

A rua não lhes apresenta só o amor, o namoro, o desvio...Apresenta-lhes o luxo. E cada montra é a hipnose e cada rayon de modas é o foco em torno do qual reviravolteiram e

anseiam as pobres mariposas.

_ Ali no fundo, aquele chapéu...

_ O que tem uma pluma?

_ Sim, uma pluma verde... Deve ser caro, não achas?

São duas raparigas, ambas morenas. A mais alta alisa instintivamente os bandós, sem chapéu, apenas com pentes de ouro falso. A montra reflete-lhe o perfil entre as plumas, as rendas de dentro; e enquanto a outra afunda o olhar nos veludos que realçam toda a espetaculização do luxo, enquanto a outra sofre aquela tortura de Tântalo, ela mira-se, afina com as duas mãos a cintura, parece pensar coisas graves. Chegam, porém, mais duas. A pobreza feminina não gosta dos flagrantes de curiosidade invejosa. O par que chega, por último, pára hesitante. A rapariga alta agarra o braço da outra:

_ Anda daí! Pareces Criança.

_ Que Véus, menina! que Véus!...

_ Vamos. Já escurece.

Param, passos adiante, em frente às enormes vitrinas de uma grande Casa de modas. As montras estão todas de branco, de rosa, de azul; desdobram-se em sinfonias de cores suaves e Claras, dessas Cores que alegram a alma. E os tecidos são todos leves _ irlandas, guipures, pongées, rendas. Duas bonecas de tamanho natural _ as deusas do “Chiffon”nos altares da frivolidade _ vestem Com uma elegância sem par; uma de branco, robe Empire; outra de rosa, Com um Chapéu cuja pluma negra deve Custar talvez duzentos mil réis.

Quanta Coisa! quanta coisa rica! Elas vão para a casa acanhada jantar, aturar as rabugices dos velhos, despir a blusa de Chita _ a mesma que hão de vestir amanhã...E estão tristes. São os pássaros sombrios no Caminho das tentações. Morde-lhes a alma a grande vontade de possuir, de ter o esplendor que se lhes nega na polidez espelhante dos vidros.

Por que pobres, se são bonitas, se nasceram também para gozar, para viver?

Há Outros pares gárrulos, alegres, doidivanas, que riem, apontam, esticam O dedo, comentam alto, divertem-se, talvez mais felizes e sempre mais acompanhadas. O par alegre entontece diante de uma casa de flores, vendo as grandes corbeilles, O arranjo sutil das avencas, dos cravos, das angélicas, a graça ornamental dOs copos de leite, O horrOr atraente das parasitas raras.

_ Sessenta mil réis aquela cesta! Que caro! Não é para enterro, pois não?

_ Aquilo é para as mesas. Olhe aquela florzinha. Só uma, pOr vinte mil réis.

_ Você acha que comprem?

_ Ora, para essa moças...os homens são malucos.

As duas raparigas alegres encontram-se cOm as duas tristes defronte de uma casa de Objetos de luxo, porcelanas, tapeçarias. Nas montras, com as mesmas atitudes, as estátuas de bronze, de prata, de terracota, as cerâmicas de cores mais variadas repousam entre tapetes estranhos, tapetes nunca vistos, que parecem feitos de plumas de chapéu. Que engraçado! Como deve ser bom pôr os pés na maciez daquela plumagem! As quatro trocam ideias.

_ De que será?

A mais pequena lembra perguntar ao caixeiro, muito importante, à porta. As outras tremem.

_ Não vá dar uma resposta má...

_ Que tem?

Hesita, sorri, indaga:

_ O senhor faz favor de dizer... Aqueles tapetes?...

O caixeiro ergue os olhos irônicos.

_ Bonitos, não é? São de cauda de avestruz. Foram precisos quarenta avestruzes para fazer o menor. A senhora deseja comprar?

Ela fica envergonhadíssima; as outras também. Todas riem tapando os lábios com o lenço, muito coradas e muito nervosas.

Comprar! Não ter dinheiro para aquele tapete extravagante parece-lhes ao mesmo tempo humilhante e engraçado.

_ Não, senhor, foi só para saber. Desculpe...

E partem. Seguem como que enleadas naquele enovelamento de coisas capitosas _ montras de rendas, montras de perfumes, montras toilettes, montras de flores _ a chamá-las, a tentá-las, a entontecê-las com corrosivo desejo de gozar. Afinal, param nas montras dos ourives.

Toda a atmosfera já tomou um tom de cinza escuro. Só o céu de verão, no alto, parece um dossel de paraíso, com o azul translúcido a palpitar uma luz misteriosa. Já começaram a acender os combustores na rua, já as estrelas de ouro ardem no alto. A rua Vai de novo precipitar-se no delírio.

Elas fixam a atenção. Nenhuma das quatro pensa em sorrir. A joia é a suprema tentação. A alma da mulher exterioriza-se irresistivelmente diante dos adereços. Os olhos cravam-se ansiosos, numa atenção comovida que guarda e quer conservar as minúcias mais insignificantes. A prudência das crianças pobres fá-las reservadas.

_ Oh! aquelas pedras negras!

_ Três contos!

Depois, como se ao lado um príncipe invisível estivesse a querer recompensar a mais modesta, comentam as joias baratas, os objetos de prata, as bolsinhas, os broches com corações, os anéis insignificantes.

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