Imagens da página
PDF
ePub

viOlentavam a massa com os cotovelos para chegar ao altar-mor. No ar parado um sino bateu. HOuve uma interjeição prolongada da multidão, ia começar a missa. Era a missa do galo nos bairros...

Saí suando, tomei O automóvel, nervoso. Ao lado da máquina, na aglomeração, uma vOz de mulher fez de repente:

_Ai!

_ Que é? que foi? bradou um vOzeirãO formidável.

_ Cocoricó! cantou um gaiato.

E entre as gargalhadas de mOfa escandalosa, o automóvel rodou.

Parei na catedral. A enchente era tão colossal que havia gente até na rua.

O templo ardia em luzes. De fora viam-se os sacerdotes de sobrepeliz dourada, a candelária luminosa, Os santos, e toda a igreja vibrava das graves harmonias dO órgão, realçadas pOr um corO abaritonado. A turba tinha Outro aspecto. Senhoras de chapéu, cavalheiros sempre com esse amável ar conquistador que o hOmem se arroga nas festas públicas, de mistura com fuzileiros navais, marinheiros alcoolizados, caixeirinhos do comércio de roupa nova e com Os Olhos cheios de sono.

Toda essa gente conseguia entrar e sair, fazer como um torvelinho à porta, onde duas senhoras vestidas de negro, esticando uma sacola, diziam maquinalmente: _ para a cera! para a cera! Ninguém dava, ninguém se ralava. O sopro de excitação dos sentidos parecia recrudescido pelo sopro musical do orgão. Figuras que saíam da igreja vinham algumas congestas; as que entravam tinham uma violência aguçada no olhar. Na rua, como que farejando, sujeitos iam e vinham entre os grupos de malandros ébrios, de negros de capa no braço com um ar de copeiros de casa rica, de mulheres conversadeiras. Encontro um

repórter de jornal.

_ Oh! tu também! que pândega, filho! Mas espera...

Indagou com o olhar a rua, sorriu, apertou-me o braço, apressado:

_ Até logo.

Dou de frente com um bando de gente de teatro. Uma das atrizes assegura:

_ Estou com os braços doendo...

E logo depois, deixando a atriz, encontro o protetor.

_ Viste-a por aí? Olha só aquela família com crianças. Só nesta terra! Eu não! Ceei com meus filhos: às dez horas tudo na cama, e às onze deixei de ser pai-de-família.

_ Muito bem.

Era a missa do galo na cidade...Que tinha eu? Desgosto? Tristeza? Dor de cabeça? Sei lá! Despedi-me do ex-pai-defamília, tomei de novo o automóvel que logo deslizou pela Rua da Assembleia para cair numa vertiginosa carreira pela Avenida Central.

_ Que é aquilo?

_ É a missa do convento da Ajuda.

Saltei. A rua estava negra de gente. Os focos elétricos da Avenida mais de sombra enchiam aquele canto _ a porta tão triste onde a turba se acotoVelaVa.

Um sujeito valente pisou três ou quatro pés, barafustou. Acompanhei-o. Era a missa lá dentro imersa em tristeza infinda. Até os altares pareciam mais agourentos, até as imagens guardavam na face uma dor mais amarga. E a missa trespassava a alma, porque, enquanto o sacerdote ia e Vinha no altar, por trás, na sombra, perpetuamente na sombra, morta, enterrada, perdida para o mundo, a voz das monjas Varava o ar como o som de um cristal quebrado, retorcia-se no sacrifício do louvor do deus que nascera de um seio humano, espiralava Como uma Contorção histérica, soluçava cantando...

Ia mais adiante, mas na minha frente um latagão bocejou:

_ Que cacetada!

_ É verdade, vamo-nos, respondeu a companheira.

_ Ainda temos tempo de ir a Copacabana.

Consultou o relógio e Começou a sair, imprimindo tal movimento à massa de gente, que eu, Com outros mais, de recuar tanto, me achei de novo na porta triste e humilde.

_ O José, vamos a Copacabana?

_ Anda daí.

Copacabana devia ser divertido. Tomei de novo o automóvel e disse ao chauffeur:

_ Para Copacabana.

Naquele delicioso percurso da Avenida Beira-Mar, toda ensopada de luz elétrica, outros automóveis de toldo arriadO, outros carros, Outras conduções corriam na mesma direção. Homens espapaçados nas almofadas davam vivas, mulheres de grandes chapéus estralejavam risos, era uma estrepitosa e inédita corrida para Cítera. Quando, nO fim da avenida, os automóveis seguiram pelas antigas ruas, cada encontro de bonde era uma catástofre. Os tramways, apesar de comboiarem três carros, iam com gente até aos tejadilhos, e essa gente furiosa, numa fúria que lembrava bem a vertigem de Dionísios, berrava, apostrofava, atirava bengaladas num despejo de corpos e de conveniências. Entretanto, pelas mesmas ruas, a corrida aumentava e era uma disparada louca entre vOciferações, sons de corneta, tren-tentens de bondes, estalar de chicote. Quando passamos O túnel num fracasso de metralha e demos nOs campos de Copacabana, a velocidade foi vertiginosa, e era apenas vagamente que se divisavam, fugindo à sanha dos fon-fons, ao estrépito das rOdas, a linha de fiéis da redondeza marginandO O capinzal e, à esquerda, num diadema de estrelas, a iluminação da Igrejinha. Recostei-me. O automóvel saltava como um orango ébrio, nO piso mau. De repente fez uma curva e entrou numa rua cheia de gente, de carros, de OutrOs automóveis. Estávamos nO grande sítio.

_ E aqui?

f

_E.

Cerca de três mil pessoas _ pessoas de todas as classes, desde a mais alta e a mais rica à mais pobre e à mais baixa, enchia aquele trecho, subia prOmontóriO acima. E O aspecto era edificante. Grupos de rapazes apostavam em altos berros subir à

igreja pela rocha; mulheres em desvario galgavam a correr por

« AnteriorContinuar »