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bater na Cara do cabra meia-lua.

_ Mas é um jogo bonito! fiz para contentá-lo.

_ Vai até o auô, salto mortal, que se inventou na Bahia.

Para aquela lição tão intempestiva, já se havia formado um grupo de temperamentos bélicos. Um rapazola falou.

_ E a encruzilhada ?

_ E verdade, não disseste nada de encruzilhada?

E a discussão Cresceu. Parecia que iam brigar.

Fora, a chuVa jorraVa torrencial. Um relógio pôs-se a bater preguiçosamente meia-noite. As mulatinhas cantavam tristes:

Meu rei de Ouros quem te matou?

Foi um pobre Caçadô.

Mas Dudu saltou para o meio da sala. Houve um choque de palmas. E diante do quarto, onde se confundia o mundo em adoração a Deus, o negro Cantou, acompanhado pelo coro:

Já deu meia-noite
O sol está pendente
Um quilo de carne

Para tanta gente!

Oh! suave ironia dos malandros! Na baiúca havia alegria, parati, álcOOl, fantasia, talvez O amor nascido de todas aquelas danças e dO insuportável cheiro dO éter floral.

Não havia, porém, cOm que comer. Diante de Jesus, que só lhes dera o dia de amanhã, a queixa se desfazia num quase riso. Um quilO de carne para tanta gente!

Talvez nem isso! Saí, deixei O último presepe.

De longe, a casinhola com as suas iluminações tinha um ar de sonho sob a chuva, um ar de milagre, o milagre da crença, sempre eterna e vivaz, saudando o natal de Deus através da ingenuidade dos pobres. ComO seria bom dar-lhes de comer, ó Deus poderoso!

Como lhes daria eu um farto jantar se, como eles, não tivesse apenas a esperança de amanhã Obter um quilO de carne só para mim!

Como se Ouve a Missa do “Galo”

A missa do “galo” não começa precisamente à meia-noite e não tem a obrigação de acabar antes de uma da manhã. A missa só, sem galo, o divino sacrifício de que os casuístas espanhóis do século XIII faziam a anatomia _ talvez tivesse em tempos remotos uma hora precisa, exata, confirmada pelo dogma. O galo, porém, varia e canta, ou adiantado ou com atraso. Ora, o chamar a missa do Natal de Cristo missa do galo é ainda um costume latino. Os romanos contavam as horas com uma certa poesia. Logo depois da media nocte,chamavam eles ao tempo gallicinium, hora em que o galo começa a cantar. A missa realizada, assim, após a media nocte, ficou sendo a missa do galo, e é ainda o Velho e desusado gallicinium que se recorda quando os sacerdotes levantam a hóstia nos altares, e de capoeira em capoeira, sonoro e glorioso, se propaga o diálogo dos galos: Cristo nasceu! Onde? Em Belém...

Eu estava exatamente defronte da igreja de Santana, dispondo de um automóvel possante. Era a mais que alegre hora da meianoite que alguns temperamentos românticos ainda julgam sinistra. Aquele trecho da cidade tinha um aspecto festivo, um estranho aspecto de anormalidade. Das ruas laterais vindo em fila famílias da Cidade Nova, primeiro as Crianças, depois as mocinhas, às vezes ladeadas de mancebos amáveis, depois as matronas agasalhadas em fichus; vinham marchando Como quem vai para a Ceifa, grossos machacares, de Chapelão e casaco grosso; vinham gingando negrinhas de vestido gomado; “Cabras” de calça bombacha, velhas pretas embrulhadas em xales. Era Como uma série de procissões em que as irmandades se separavam segundo as classes. No adro, repleto, havia uma mistura de populaça em festa. Grupos de rapazes berravam graças, bondes paravam despejando gente, vendedores ambulantes apregoavam doces e Comestíveis; todos os rostos abriam-se em fraterna alegria, e naquela sarabanda humana, naquele vozear estonteante, uma nota predominava _ a do namoro. Os rapazes estavam ali para namorar, para aproveitar a ocasião. Os encontros tinham sido de antemão Combinados. Quando um grupo familiar encontrava um rapaz o _ oh! seu Antenor! Também por aqui! a resposta: oh! d. Belinha, então também veio! _ soavam Como quem diz: oh! não faltaste... Havia de resto pares de braço dado, meninas que murmuravam frases ao lado dos mocetões, sob o olhar protetor das mamães...A missa era um alegre pretexto e, se na Classe burguesa o namoro tinha uma cor tão suave, nas outras irmandades o entusiasmo era maior. Entrei no templo atrás de um grupo de mocinhos entusiasmados, um dos quais teimava que havia de apertar, enquanto outro, com uma carta de alfinetes, asseverava estar disposto a pregar alguns pares. O grupo ria, a igreja estava repleta, quente, ardendo na nave de humanidade pouco crente, ardendo de doçura superior nas velas dos altares. Mocinhas irrequietas, rindo, abriam passagem; rapazes lamentavelmente espirituosos estabeleciam o arrocho, empurrando o corpo como quem vai dançar o cakewalk e pretalhões de pastinhas, erguendo alto os chapéus de palha,

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